sexta-feira, outubro 26, 2007

Então...

Então eu aprendi a acordar cedo, a parar de brigar com o som estridente do despertador e a dormir menos. Então eu aprendi a deixar as baladas para o final de semana. Aprendi a colocar o terno e não mudar o mundo. Troquei a cerveja que fechava a noite por um copo de leite. Com Nescau. Eu deixei de acreditar nas verdades que eu falava no boteco.
Então eu aprendi a xingar no transito, por vezes, baixar o vidro e lançar um gesto obsceno. Então eu aprendi a atacar, antes de esperar o bote.
Então eu aprendi a colocar meia calça as sete da manhã, aprendi a preparar todos os dias o meu café da manhã, aprendi a ler mais do que o horóscopo do jornal. Aprendi a sair de casa sem a cara amassada. Aposentei o meu All Star.
Então eu aprendi a ter mais hora do que tempo, aprendi o quanto do relógio faz meus dias, e o quanto das horas esgota a minha existência. Então eu aprendi a ver o tempo passar mais devagar e as horas mais aceleradas.
Então eu aprendi a namorar. Pensei até em casar e ter filhos... Comecei a achar bacana a idéia de me dividir com alguém e depois a gente se multiplicar.
Então eu passei a ter menos tempo para ler, para correr, para sair numa quarta feira e dançar até as 3 da manhã. (será que eu fiz muito isso?)
Então eu passei a ter saudades de matar aula. E passei a ter saudades de coisas que eu nunca achei que teria.
Eu só não deixei de ouvir Bob Dylan... E Janis Joplin, quando estou de TPM.
Então eu deixei de ter tanta inspiração, passei a viver mais do que pensar e de certa forma me tornei uma pessoa mais leve.
Então eu deixei de ver poesia na rua e só enxerguei cotidiano.
Então eu passei a adorar o Chico Buarque quando canta ele “Vai trabalhar!”. E para isso e por isso, eu passei a dormir e a acordar.
Então os relógios fixaram nos meus pulsos e eu passei a ter compromissos.
Então eu aprendi a ter responsabilidades. Ou nem tantas assim.
Eu aprendi a parecer uma pessoa séria e normal. Aprendi a ter cólicas e tratar bem o meu chefe. Então eu aprendi a ter chefe. Ou não?
Então eu aprendi a pensar antes de falar. E aprendi a não falar tudo o que penso.
Eu aprendi coisas sinceras sobre politicamente correto. E aprendi que trabalho e sonhos devem viver em gavetas diferentes do mesmo armário.
Então eu aprendi a não esperar o natal e nem o meu aniversario.
Então eu aprendi a comprar cremes e a passá-los antes de dormir. Eu passei a me preocupar com pele hidratada. E não achei isso ridículo.
Então a vida foi ficando mais séria.
Então era só isso?!?

quarta-feira, agosto 29, 2007

Vermelho

Confesso que te esperei. Sonhei contigo algumas vezes e, negando o meu orgulho bobo, confesso também que te paquerei de longe. Impossível e utópico. Você cabia nos meus sonhos.
E te digo que senti raiva nas tantas vezes que fui abandonada no mesmo ônibus lotado. Senti raiva nos dias que não pude contar com você para ir ao supermercado. Senti raiva nos dias em que fui sozinha para a balada e voltei de táxi.
Eu tive motivos sinceros para te desprezar, ou ao menos, fingir que nunca precisei de você. Tive motivos para dar as costas ao mundo, seguir a minha vida e levantar a mão para que o próximo ônibus parasse.
Sem você eu aprendi a odiar os dias se chuva. E sem você eu aprendi o quão terapêutico pode ser uma simples caminhada por umas sete quadras. Do bairro ou da vida.
Sem você eu aprendi sobre quase todas as ruas de São Paulo. Sem você eu aprendi que nem todos os caminhos são confiáveis.
Mas quando eu te vi absurdamente simpático e vermelho. Quando finalmente segurei a tua direção para traçar a minha direção. Quando eu ouvi o teu motor roncar pela primeira vez. Foi como se a vida me saltasse ao peito e todos os momentos sem você fossem apenas pequenas momentos ruins.
Quando eu senti o seu cheiro novo e finalmente pude ter velocidade, simplesmente eu me apaixonei.
Abençoadas sejam as suas quatro rodas!

sábado, junho 30, 2007

Tostines

Tautologia. Sabe o que é? No dicionário: redundância, raciocínio circular, pleonasmo. É também aquela frase famosa do biscoito “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”.
E, em um sentido menos raso, é também a minha vida.
Explico-me.
Eis que o telefone toca rompendo o silêncio de mais uma tarde vazia. Agradeço que ele toque e não seja a Associação das Marmotas depiladas da Dakota do Norte pedindo donativos para a próxima expedição em busca de filhotes órfãos. Sim. Para alegria do meu humor moribundo é uma outra entrevista.
Recebo otimista a minha nova empreitada. Passo a minha melhor calça social, combino com a melhor camisa. Levo os sapatos decentes na bolsa (afinal eles são impróprios para as ruas de São Paulo) e sigo o meu caminho apreensiva.
Um lado de mim (o anjinho) senta no meu ombro e suspira palavras de confiança. Um outro lado de mim (o diabinho) me diz para não esperar demais e cair um pouco na realidade.
Chego ao local, estralo alguns dos meus dedos. Mas sou simpática com a atendente que me indica uma poltrona e me pede para esperar. Espero.
Nessa hora o anjinho e o diabinho já se pegaram no tapa, por isso desencano de pensar em qualquer outra coisa. Apenas rezo para que essa chance enfim seja uma possibilidade.
O entrevistador me chama e segue seu roteiro protocolar.
Me pede que descreva o meu currículo. Depois algumas experiências. Enfim, pergunta defeitos e qualidades pessoais. Problemas que tive em outros empregos. Me testa de todos os jeitos. É irônico. Às vezes cínico. E não demora muito e o diabinho retorna vestindo em minha imaginação uma roupa de sádico no entrevistador.
Sorrio. Penso nas palavras do anjinho quase como se fosse um mantra e respondo as perguntas do entrevistador sem me alterar. Como se tudo não passasse de uma brincadeira de mau gosto.
Enfim, após muito jogo de cintura e muita perguntas ele finaliza sua sessão:
- Bem, senhorita Helga. Verificamos que a senhora fala muito bem, articula bem suas idéias, porém verificamos que tem pouca experiência.
Pronto. O diabo cresce mil vezes no meu ombro, espanta o anjo e faço novamente uma cara de trouxa.
E como não haveria de ser? Experiente, certamente, é o entrevistador. Afinal, os quatro anos de estagio que fiz só me serviram de entretenimento entre uma aula da faculdade e outra. Aliás, eu só fiz estágio porque não havia nada mais divertido para fazer a tarde.
E enquanto as palavras do entrevistador servem de alimento para deixar meu diabinho interno ainda maior, vejo a minha vida passar por mim como se fosse um filme de humor negro. Quer dizer que aquela história de percorrer fóruns, ter um expediente sem hora para acabar, ficar redigindo peças sem fim e aturar chefes mal humorados não me serviram de experiência para nada? Quer dizer que o meu esforço, a minha vontade de aprender e levar as coisas tão a serio na busca de uma competência profissional se revertem dessa maneira?
A minha vontade de mandar o entrevistador tomar no cu é tão insana que chega a fazer cócegas na minha garganta.
Dessa vez um sorriso cínico surge de mim e em poucas palavras eu tento me defender. Enfim, temos animosidades à altura.
Mas no teste da paciência, eu já perdi há muito tempo.
Apertamos as mãos. E seguimos nossos caminhos.
“Não arrumo emprego porque não tenho experiência. Não tenho experiência porque não tenho emprego”. E a minha vida ali, presa nessa estúpida tautologia. Ou melhor, pleonasmo.
Espero no ponto o ônibus que não vem. Quando chega, finalmente embarco com a cabeça baixa.
Dessa vez minha auto-estima não embarca. Sequer se senta nos fundos.
Ela permanece no ponto de ônibus, com uma vontade infantil de cair aos prantos ou quem sabe até ligar para a minha mãe.
Ela permanece no ponto de ônibus. Inexperiente feito é.

quarta-feira, junho 13, 2007

Projeto de emprego

Sem titubear (adoro essa palavra!) te digo o ano em que me formei, as minhas cinco últimas experiências profissionais e as minhas singelas pretensões quanto a uma relação empregatícia. E vou sorrir ao final de tudo isso. Mesmo que meus dedos já estejam doloridos de tanto cadastrar currículo em site.
Ando caindo na real. Engolindo o mundo a seco e sem coca-cola light para não fazer cara feia. Sim, sou mais uma ex-idealista vendendo meus sonhos ao mercado de trabalho e brigando contra a minha insatisfação. Afinal eu sempre acreditei que os sonhos valiam... E talvez valham. Num país acima da linha do Equador, onde as relações de emprego não se resumam à simpatia do sujeito entrevistado.
Ando numa crise sobre as possibilidades reais e o inconformismo do ideal. E sem excesso de romantismo o que procuro é a simples resposta: qual o limite da tolerância em uma entrevista? Descrevo o meu desespero:
O telefone toca. E do outro lado uma simpática secretária:
-Bom dia, por favor a Senhora Helga?
-É ela, quem fala?
-É do escritório XYZ.Gostamos do seu currículo e gostaríamos de fazer uma entrevista ainda hoje?(Ponto número 1 do meu inconformismo: porque não analisar a possibilidade do candidato se submeter à entrevista?! Afinal, quando procuramos um emprego nem sempre estamos desempregados e precisamos as vezes contornar a atual relação de emprego sem que isto nos valha uma demissão).
-Ok, posso depois das 15 horas...
-As 16?
-Tudo bem.
-Está marcado! Aguardamos sua presença.
Ela se despede dando maiores detalhes quanto ao local e pontos de referência.
Procuro no maravilhoso site da SPtrans mais um jeito diferente de me aventurar por São Paulo. Desconfio que eles colocam as inúmeras informações erradas no site só para testar a solidariedade de motoristas e das pessoas no ponto de ônibus. Mas como o mundo anda complicado e solidariedade não é coisa que o povo assiste na novela das oito, acabo desistindo de achar o ônibus certo e pego um táxi.E lá se vai meu rico dinheirinho... Tudo bem. Amanhã almoço um sanduba e esta tudo certo.
Chego no local. A entrevista marcada para as 16 horas começa às 16:30. E começa sem um pedido de desculpas por parte do entrevistador (Ponto número 2 do meu inconformismo: odeio esperar. É justo você pagar um táxi para chegar no horário e ainda esperar meia hora?)
A entrevistadora me dá um sorriso amarelo.
-Lemos o seu currículo. Você pode descrever as suas últimas experiências? (Ponto número 3 do meu inconformismo: analfabetismo funcional. Se o cara leu meu currículo qual a necessidade de me pedir que descreva as experiências que ele já sabe quais são?! Mais fácil perguntar sobre essa ou aquela, ou pedir que eu descreva minhas funções enfim. Disfarçar o interesse pelo entrevistado é, na minha opinião, altamente constrangedor para quem esta do outro lado da mesa!).
Mas mesmo assim descrevo as minhas experiências, demonstro interesse, enfatizo coisas em que fiz e me dei bem. Enfim, procuro vender meu peixe.
- Ok. Aqui nós trabalhamos com os seguintes processos e blá blá, blá...
Geralmente nesse ínterim ela descreve a função do escritório e sem delongas sobre o trabalho em si (Ponto número 4 do meu inconformismo: marketing pessoal. Se eu estivesse interessada unicamente no perfil do escritório, visitaria o site do mesmo (coisa que faço regularmente antes da entrevista). Mas numa entrevista de emprego geralmente o enfoque é a função, ou seja, aquilo que se vai fazer dentro da empresa / escritório. Nessas horas pouco interessa se vc trabalha no lugar X ou Y. O que interessa é o que você faz lá dentro e se isso te satisfaz enquanto profissional).
-Salário? Benefícios? (Ponto número 5 do meu inconformismo: não falar sobre a remuneração. Como boa estudante de direito que fui, sei que uma das quatro características da relação de trabalho é o salário. Acho complicado você ter que perguntar sobre esse ponto essencial da relação de trabalho quando você é o entrevistado. Se você esta procurando contratar alguém e busca estabelecer uma relação de emprego, acredito que não seja ofensivo falar sobre um dos pontos primordiais dela! Neste ponto não tive o que se considera como uma “delicadeza”, ao meu ponto de vista, desnecessária. Desculpem se isso soa arrogante, mas naquele momento, eu precisava saber se aquela entrevista ao menos poderia ter uma possibilidade de ser compensatória. Aliás, eu considero de extrema importância saber quanto se paga pelo seu serviço...)
-Bem, pagamos R$ 1.500,00 seco. (Ponto número 6 do meu inconformismo: pagar para trabalhar. É muito exigir que o empregador ao menos subsidie o mínimo de sustentabilidade para que se faça seu serviço? – Falei bem e falei bonito, mas o que eu quis dizer é, no presente caso só com transporte e alimentação meu salário se reduziria à R$ 1.100,00 com o detalhe: para almoçar no kilo e continuar andando de ônibus...)
-Não tem carteira assinada?
-Não. (Ponto número 7 do meu inconformismo: nada mais típico do que advogados desrespeitando as leis trabalhistas...)
E finalizando...
-E ai? Te interessa? (Ponto número 8 do meu inconformismo: barganha! Se não interessasse eu não tinha gastado dez paus de táxi para chegar aqui sua anta!).
Mas mesmo assim eu dou um sorriso, digo que tenho interesse na vaga e que gostei do ambiente do escritório.Não sei explicar, mas nessas horas acredito que brota dentro de mim um segundo EU, desesperado para se adequar ao mundo. Porque ao contrario do que pode pensar o meu leitor desavisado, entrevistas como estas são a grande maioria.
Saio de lá. Espero o ônibus me sentindo uma fracassada por não saber qual o limite da tolerância e do desemprego. Por não saber qual é o meu preço, afinal, eu também preciso pagar as minhas contas!
Arrumo amigos no ponto de ônibus graças à SPtrans. Subo no lotação e acho um lugar perto da janela. Diante dela permaneço questionando a existência de oportunidades melhores. Minha auto-estima embarca depois, procura um lugar e se senta nos fundos.


quarta-feira, maio 16, 2007

Talvez

Vamos lá. Qual é o problema? Eu sei que você pode. Não me deixe aqui de joelhos sobre a indecisão. Me dê um sim ou me dê um não. Mas me tira do talvez.
Vamos lá? Qual é o problema? Não agüento mais conviver com todos os anjos e demônios que habitam dentro de mim. Brincando com a esperança e o medo, a todo segundo.
Vamos lá. Qual é o problema? Puxa logo a cera quente da minha virilha. Arranca de vez o band-aid. Aplique a injeção. É um sim ou é um não. Não pode ser tão difícil assim.
Transforma o meu ultimo suspiro em um grito de alegria. Ou me dê a chance de chorar, o quanto eu quiser, todos os dias.
Me dê um sim. Me dê um não, qual é o problema?
Me deixe deitar sobre a cruz dos meus calvários. Me deixe sorrir boba de felicidade. Mas por favor, um sim ou um não.
Me deixe sentindo a ultima das ultimas. Me deixe ter um pouco de paz.
Eu quero chorar a perda. Eu quero velar os mortos. Eu quero um dia seguinte.
Eu quero chorar de felicidade. Eu quero acordar amanhã e ter outra vida. Eu quero um dia seguinte.
Mas um dia seguinte para eu cair ou para levantar.
Vamos lá. Qual é o problema? Me dê um sim. Me de um não. Ou me de qualquer coisa que alivie o desespero.

terça-feira, maio 15, 2007

Crescer

Alguns dias em que o sol aparece menos tímido na janela, é possível olhar para tudo o que ainda sou e acreditar que existem possibilidades. Mas diante do vazio, meu pijama é uma camisa de força que me prende a minha própria cama quando não quero mais pensar. Embora eu pense em todos os sonhos que fui, enquanto a comida estraga na geladeira.
Não tenho fome, não tenho vontade, mas tenho fé. E um pouco dela me faz sentir alguém, quando já não sinto nada. Um pouco dela me faz correr atrás do próximo ônibus para não me atrasar para a outra entrevista. Um pouco dela me faz crer que é possível ser grande quando se aceita ser pequena.
E é preciso ter força. É preciso ter força para desviar dos medos que te beliscam o umbigo. É preciso ter força para acreditar que tudo isso é passageiro. Mas ainda resta uma nuvem negra de angústia que se perpetua no horizonte.E por mais um dia me sinto uma miserável chorando meus medos na sarjeta.
Diante daquilo que não posso mudar, coloco os pés descalços sobre o asfalto e sigo. Guardo meus sonhos na bolsa, como um antídoto para todas essas feridas. Sei apenas que preciso ir; embora eu não saiba como chegar.
A bússola que procuro no peito é o motivo desse leve desespero, que eu deixo tão bonito, costurando tristeza nas minhas palavras.
Mas podem continuar a me derrubar. Há tempos que levantar já se tornou rotina e deixou de ser arte.

domingo, abril 29, 2007

Mãe

Inesperado como tudo o que é sincero, agora me surpreendo com a capacidade de conviver contigo, cotidianamente. E agradeço o seu zelo, de me acolchoar o mundo quando ele acaba de se mostrar um lugar tão pedregoso. E, por isso, levo teu sorriso na bolsa, para aliviar meu desespero.
Você, que sempre me dá um pedaço de chão assim que meu mundo cai. Você que me desaprova com a força mais bruta, me fazendo sentir vergonha de desistir. Você e seus olhos azuis.
Somos diferentes. Como não haveria de ser? Questionamos as nossas felicidades, porque sabemos dos caminhos que nos levam a alegrias divergentes. E insistimos em brigar no café da manhã.
Mas ainda que a crueldade das palavras nos deixe nuas diante de nossas diferenças, eu agradeço, acima de tudo à sua feminilidade. Agradeço ao pedaço de chão que você me empresta, para pisar descalça sobre tudo o que ainda dói. Agradeço ao olhar irascível lançado brutamente para que eu sinta vergonha de ter medo.
Te amo. Te amo como se ama aquilo que lhe é diferente. E contigo aprendo, todo dia, um pouco mais.
Te amo porque contigo aprendi a sonhar, pelo mundo aconchegante que você me ensinou a ter, dentro dos teus olhos.

segunda-feira, abril 16, 2007

Antes de dormir

Por que a gente é tão sozinho?

sexta-feira, abril 06, 2007

Perdão

Ele me olha como um pedaço de carne exposto no açougue, com uma certeza infinita de que meu ódio me conserva ali, eternamente, à sua espera. Esperando pelo dia em que ele trará novamente felicidade à minha vida. Contando com o dia em que ele encontrará a mesma menina, bêbada e suja, ajoelhada aos seus pés, jurando-lhe amor eterno.
Ele me olha com a lembrança de um amor impossível, escarrado, declarado e vivo, ali nas veias do silêncio que sobrou. Ele me olha com a ternura de um sentimento abandonado, com o carinho de um coração quebrado. E ele sente dó.
Não. Ele não suporta a minha felicidade. Não reconhece nos meus olhos nenhum tipo de tranqüilidade. Ele só quer arranhar a cicatriz. Para ver se ainda sangra. Para ver quanto do meu desejo ainda orbita sob o seu ego. Para ver quanto do nada que sobrou. Mas há tempos eu já não estou mais ao seu redor.
E por isso ele invade a minha caixa de e-mails com os seus sentimentos mal resolvidos, arranja o número do meu celular por meio de outros amigos e me procura para dizer “Penso em você”. A que horas? Enquanto você trepa com a sua namorada na madrugada de um sábado qualquer? Ou enquanto você tem uma diarréia em meio a uma reunião de trabalho?
Não, eu não o suporto. Pois vejo nele a mesma arrogância com que olho a menina bêbada e suja implorando por um pouco de amor. Eu o odeio, porque odeio os erros que meu coração comete, quando pulo de cabeça num poço de sentimentos rasos. Eu definho no meu ódio, porque ainda sinto ódio do que fui e daquilo que lhe dei de graça. Eu o afasto, porque quero longe a fantasia de palhaço no teatro dos amores mal resolvidos.
Mas eu o perdôo. Perdôo porque é preciso perdoar a mim mesma e parar de chamar de sua a vergonha que carrego em mim. Perdôo porque com ele aprendi uma das lições mais tristes e doloridas, porém eu sobrevivi. Perdôo porque um dia eu não sabia, que amor nenhum sobrevivia, onde não há amor próprio.

quinta-feira, abril 05, 2007

Eu vou reclamar

Descobri que reclamar é um vício. Um vírus. Uma doença crônica que me ataca os nervos, a paciência e a sanidade. Reclamar é uma fixação. Uma obsessão. Um desperdício gigantesco de energia. Reclamar consome.
Mas ultimamente a única coisa que tenho feito com maestria na minha vida é justamente reclamar. Reclamo de tudo. Reclamo do Lula, de ser brasileira, da desigualdade social, da irritação que me dá em ver que a cada sinal existe mais um menino jogando bolinhas em troco de moedas, da quantidade de dinheiro que se esvai pelos ralos de Brasília, das palhaçadas que nos acostumamos a ler no jornal. Reclamo porque leio o jornal e acho o ser humano cada vez mais escroto. Depois reclamo, pois se parar de ler o jornal e me fechar no meu umbigo talvez eu me torne tão escrota quanto. Reclamo da Telefônica que me cobrou o speedy duas vezes, reclamo da minha conta de celular que veio alta demais, reclamo da minha conta do banco que não sai do vermelho. Reclamo porque fiz cinco anos de faculdade e estou desempregada, reclamo da OAB que não solta o resultado do exame e posterga a minha indecisão profissional, reclamo porque tudo isso me consome o bom humor, o otimismo e alguns sonhos. Reclamo porque eu fui fazer direito e não publicidade e só li coisas chatas e escolhi uma faculdade muito chata para fazer da vida. E reclamo porque não tem mais faculdade para reclamar. Reclamo porque está na hora de virar gente grande e eu não sei nem por onde começo. Depois reclamo porque queria começar virando gente grande pela Terra do Nunca, mas ai já é tarde demais. Reclamo porque a passagem de ônibus esta cara e quem sabe se eu guardasse o dinheiro e só andasse a pé eu comprava logo um carro! Depois reclamo que com um carro eu só faria mais poluição e trânsito e São Paulo já esta cheia disso. Reclamo de São Paulo. Reclamo das suas ruas, do seu excesso de gente, da sua incoerência. Depois reclamo por amar esse caos todo e não conseguir ir embora. Reclamo do cinismo dos meus ex namorados, do cinismo das relações e porque o amor também é feito de reclamações. Reclamo porque tenho saudades de coisas que já foram e que não vão voltar. Reclamo por me lembrar de coisas que já deveriam ter ido. Reclamo dos meus amigos que me esqueceram em suas agendas telefônicas. Depois reclamo que qualquer encontro, com qualquer amigo, me forçaria a reclamar muito mais. E isso me faria voltar para casa sentindo-me pior. Reclamo, mas acabo sempre pedindo a cerveja mais barata, pois depois de quatro garrafas, eu esqueço de reclamar. Mas reclamo no dia seguinte por acordar de ressaca e com uma vontade louca de fazer xixi em todo lugar. Reclamo porque a Coca Cola lançou uma tal de Coca Cola zero, para substituir a Coca Light , mas tem tudo o mesmo gosto. Reclamo de tudo o que tem o mesmo gosto. Reclamo porque o mundo não me basta e eu sinto uma vontade incontida de olhar para tudo, mudar tudo, mas como eu não posso, não me resta mais do que o direito de reclamar. Reclamo porque há dias atrás o alemão ganhou um milhão no big brother e eu to aqui, vendendo almoço para comprar janta. Depois reclamo porque eu não tenho coragem de botar silicone dos peitos, tingir meu cabelo de loiro e enfrentar uma maratona num zoológico humano chefiado pelo Pedro Bial. Reclamo porque não vim ao mundo portando um belo par de peitos, reclamo porque não existe maior ilusão no mundo do que creme anti celulite e reclamo porque fico de TPM. Reclamo porque não consigo terminar esse texto de tantas coisas que tenho para reclamar. E daqui a pouco vou reclamar porque perdi o tesão de escrever.
Reclamo porque choro quando escuto o Bill Evans tocar. E reclamo porque poucos fazem música boa feito o Bill Evans.
Reclamo porque o que corre junto do meu sangue é inquieto e às vezes eu não consigo simplesmente me conformar.

domingo, março 25, 2007

À deriva

Desocupada. Desempregada. Desesperada. Desatinada. Desafiada. Despenteada. E assim é que a minha vida ganha um prefixo “DES”. Talvez por obra do DEStino. Ou talvez por conta dos caminhos tortuosos que agora eu encontro e não sei me entregar.
Às vezes tenho medo de ser eternamente um Quixote, brigando com os mesmos moinhos de vento. Às vezes tenho medo de comprar a crueldade do mundo e vender a minha alma na esquina. Às vezes não sei o que fazer e choro.
Espero o tempo passar olhando um quadro de Dali. É um relógio que derrete e se chama Paciência. Paciência, a minha vida parece mais surreal do que isso. E o tempo agora não passa.
Eu ando vagando com os mesmos passos, me entupindo com outros projetos, na tentativa infame de me projetar também. Mas o que a vida me mostra, é que ela é obra sem rascunho. E que não importa a perfeição do esboço, a realidade sai sempre borrada. Não vale a pena viver dos sonhos. Porque meu sobrenome é projeto?
Corro desesperada, sem ter a certeza que saio do lugar. Mando meu currículo para o inferno. Mas nada acontece.
Nada acontece.
Desocupada. Desempregada.Desesperada.
Esqueço de mim e ando à deriva.

terça-feira, março 06, 2007

Concreto

Cheguei a essa cidade afoita quando já havia me esquecido dos diversos tons de cinza que descolorem o céu. Desacostumada, logo que escuto os teus primeiros sons, chego a achar bonita a sinfonia de buzinas que anuncia o transito caótico. São Paulo me lança o seu primeiro sorriso ríspido que por ora eu não sei se encoraja ou intimida.
Pego o primeiro ônibus lotado, onde o calor abafado provoca pesados suspiros. Estão todos ali com o saco na lua e eu sou mais uma retirante de mochilas provocando os olhares descontentes dos outros mal acomodados passageiros.
Desço no primeiro ponto e o sinal vermelho me deixa desfilar a vontade sobre a faixa de pedestres. Ao meu lado, seguindo pelo mesmo trajeto, tropeça uma moça.
Indignada, ela me retrata a cena que eu havia acabado de assistir: tão logo o sinal abriu, o motorista lançou-lhe o carro para que ela apressasse o passo. Enquanto ela bufa o descontentamento do seu final do dia, eu retribuo o sorriso ríspido que recebi e lhe digo “Bem vinda a São Paulo”.
Com um genuíno sotaque nordestino ela me responde “Bem vinda ao Brasil. Porque isso não é problema de cidade grande não. É falta de educação mesmo”. Acho graça na verdade cruamente retratada naquela esquina e diante de um sorriso, seguimos até o próximo ponto. No caminho ela me conta que vem de Maceió e há um tempo tenta se acostumar ao cotidiano caótico de uma cidade tão bruta. Digo-lhe que sofro dos mesmos anseios.
E assim que ela reconhece nas minhas palavras uma hospitalidade atípica daqui, ela segue seu caminho me desejando “boa sorte”.
Eu aguardo no ponto mais vinte minutos o ônibus que não vem. Ali tenho a leve certeza de que tanto gás carbônico agregado aos meus pulmões um dia fará do meu coração um pedaço de concreto. Ali tenho a triste certeza de que um dia meus sonhos seguirão amontoados no trem de metrô, ou talvez sejam vendidos em um camelô na vinte e cinco de março. Ali eu me lembro daquela música do Toquinho que eu gostava quando criança e dizia que “o futuro é uma astronave que tentamos pilotar”. E ali, enquanto os sonhos brincam de ser incertos em meio a tanto cinza, eu não tenho mais certeza de nada. E São Paulo sorri, em meio ao caos que me hipnotiza, lançando sobre mim a mesma prece que se lança para quem decide sonhar mais do que viver.

sexta-feira, março 02, 2007

Fevereiro

É assim que o dia amanhece: com o mesmo beijo de bom dia que estala no pescoço, antes mesmo dos olhos se abrirem. E a cama fica desarrumada sempre do mesmo jeito. Porque aquilo que também se chama nós, agora tem o mesmo jeito.
Jeito que transforma a rotina. Quando nosso cotidiano é, como são as pequenas pedras de um caleidoscópio. Com um simples girar, as mesmas cores ganham outras formas. E tudo fica nosso. Do mesmo jeito.
Às vezes eu quero fugir. Pois o amor já não comporta a instabilidade que tanto me instiga. Ainda busco a paixão nos detalhes. Mas agora os detalhes são apenas cores repetidas em formas diferentes. Assim como é fevereiro, quando as tempestades de verão já não trazem tantas novidades.
Tenho medo da rotina que aprisiona e incomoda. A felicidade para mim é a instabilidade de uma aventura. Aventura que eu aprendi a chamar de amor.
Mas aos poucos, presa aos telefonemas dos mesmos horários, presa ao silêncio das mãos atadas no cinema, presa aos restaurantes preferidos onde dividimos a mesma cerveja, a vida fica tão simples, que o meu prazer não é mais mergulhar. E sim dilapidar. Aos poucos. Sem compreender o que de fato é tão profundo.
Fico cúmplice de uma alegria que desconheço e me fascina. Porque é calma e óbvia. Assim como o céu preto que monta o cenário das chuvas. Que aplacam o calor. Ao final do dia.
Enquanto fevereiro se repete, entre os dias de calor e de chuva, deixo o amor se repetir também. Brincando com as mesmas cores. E dando vida às formas diferentes.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Dias assim...

Tristeza que não cabe é essa que escrevo nas linhas tortas da minha desilusão. Dor gratuita, como todas as suas ofensas são. Sempre. Será que se um dia você pisasse no meu calo, eu pularia no seu pescoço? Já não quero ter tanto poder. Pois no fim, essa força bruta apenas destrói.
Então provavelmente eu seguiria o meu caminho, como sempre fiz. Acreditando que excesso de respeito também pode se chamar amor.
Porque você simplesmente não vem e me vê de perto? Com os medos que eu nunca pude ter. Com a eterna incompetência que me sobra. Talvez eu fosse mais bonita se pudesse ter o meu tamanho.
E, por de fato ser pequena, ando alheia aos meus sonhos, trocando passos com a solidão. Nesses dias onde tudo parece cinza.
Talvez por isso correr ainda me faça tão bem. Porque a minha vontade, mais do que nunca é correr para a minha natureza, quando essa forma já não me cabe mais.
De joelhos estou sucumbindo a tudo que me dói e que tantas vezes você adora revirar.
De joelhos, eu te peço perdão por não ser tão forte assim.
E deixo a tristeza me visitar.
Hoje eu não quero ser forte.

sábado, janeiro 06, 2007

O presente

Chacoalhei a cabeça como quem sente uma assombração passear pelos pensamentos. Tudo me remetia ao ano que acabava e a única certeza que ali me restava era: “Este ano: sem presentes”.
O peso de ter sido tão ridícula ainda me atormentava. E por mais que eu formulasse as melhores frases de auto-ajuda, tentando demonstrar para mim mesma que eu não havia sido tão idiota, nada me tirava o ranço daquela sensação. Como pude ser tão estúpida?
- Moço, preciso trocar este presente.
- Bom temos pequenos aviões de outros modelos, qual você vai querer?
- Na verdade estou querendo meu dinheiro de volta...
- Sinto muito, mas não podemos fazer isso...
- Por favor... (respondi com uma cara doce...)
- Não posso... (o vendedor respondeu com uma cara mais doce ainda...).
Foi aí que surgiu a primeira lágrima. E com ela, milhões de outras. Queria disfarçar, mas meu descontentamento com o mundo já era tão grande que eu não sentia mais vergonha de me mostrar tão pequena. Nada mais me fazia sorrir. E a única coisa que eu fazia desde então, era subir em uma esteira, com a Janis Joplin berrando nos meus tímpanos “A woman left lonely”, na tentativa de não deixar minha própria dor me engolir. Eu era mais uma, dessas que se sentem idiotas por ter ouvido os suspiros do coração. Eu era uma mulher deixada e só, tentando devolver o presente de natal que perdera seu destinatário.
- Olha, você não esta me entendendo. Este presente... Bom, este presente tinha um valor sentimental, mas a pessoa que ia ganhar não vai mais ganhar, entendeu?
O vendedor me olhou com uma cara de interrogação.
- Hum... Mas mesmo assim, moça, infelizmente não aceitamos devolução.
Pronto, as lágrimas se transformaram em uma enxurrada.
- Escuta... Você já levou um fora?
- Hein?
- Isso, moço, um fora. F-O-R-A. Pé na bunda...
- Já...
- Pois bem, este presente era para o cara que disse que me amava. E que eu amava também. Sei lá porque porra, uma semana depois do natal, ele apareceu para me dizer que “estava confuso e não queria nada sério agora”. E eu fiquei com esse presente sem saber o quê fazer. Se você não puder devolver meu dinheiro, tudo bem... Diz que eu doei esse avião para a loja. É melhor do que ficar com ele enfeitando o meu quarto como se fosse o troféu “estúpida do século”.
Virei as costas e segui. Alguns segundos depois o vendedor me chama:
- Ow moça... Espera aí! Falei com o gerente e faremos a devolução do seu dinheiro.
Ok. Perder um amor meia boca e resgatar duzentos paus não era tão mau negócio... Voltei até a loja e consegui arrebatar o meu precioso pedaço de salário devidamente guardado para a ocasião.
Mas os duzentos paus que voltaram para o banco ainda sim não pagaram o meu lamento. Chorar o seu pé na bunda para um vendedor de shopping era o episódio mais deprimente que eu já vivi.
Tempos idos, me recuperei e encontrei outro alguém, mas gato escaldado tem medo de água fria. Portanto, seguindo a voz da experiência, este ano me determinei “Sem presentes”.
Na noite do ano novo, ele me veio com um pacote todo bonitinho com um adesivo “Para Helga”. Um livro. Adoro livros... E adorei mais ainda o fato dele narrar o motivo que se embrulhava naquele pacotinho. “Achei que você iria gostar. Já que é a advogada mais escritora que eu conheço”. Me desmanchei em um sorriso bobo, mas ainda sim, amarelo, afinal eu não havia comprado nada!
Terça feira, de volta para São Paulo, percorri a cidade com o coração na mão. Sim, eu tinha a doce missão de lavar o passado e me desconstruir na emoção nova de encontrar um novo presente! Que bom sentir aquela leveza na alma!
Encontrei. E não pude deixar de explicar meu drama para a vendedora.
“Olha, esse presente é especial... Ano passado, estava saindo com um cara... blá, blá, blá...”. Ela riu e disse, após eu assinar o cheque “Boa sorte. Tomara que agora dê certo”.
- Bom, mas de toda forma vocês aceitam devolução, certo?
- Sim... respondeu ela... Mas espero que não precise. Me entreolhou com um piscadela.
Sai da loja. Acho que fui a pessoa mais realizada do mundo quando ele abriu o pacote e junto um sorriso sem jeito. “Poxa, adorei”.
Eu estava feliz. Feliz como nunca.
Passado não é presente. Não mesmo!
Feliz presente novo.