sábado, junho 30, 2007

Tostines

Tautologia. Sabe o que é? No dicionário: redundância, raciocínio circular, pleonasmo. É também aquela frase famosa do biscoito “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”.
E, em um sentido menos raso, é também a minha vida.
Explico-me.
Eis que o telefone toca rompendo o silêncio de mais uma tarde vazia. Agradeço que ele toque e não seja a Associação das Marmotas depiladas da Dakota do Norte pedindo donativos para a próxima expedição em busca de filhotes órfãos. Sim. Para alegria do meu humor moribundo é uma outra entrevista.
Recebo otimista a minha nova empreitada. Passo a minha melhor calça social, combino com a melhor camisa. Levo os sapatos decentes na bolsa (afinal eles são impróprios para as ruas de São Paulo) e sigo o meu caminho apreensiva.
Um lado de mim (o anjinho) senta no meu ombro e suspira palavras de confiança. Um outro lado de mim (o diabinho) me diz para não esperar demais e cair um pouco na realidade.
Chego ao local, estralo alguns dos meus dedos. Mas sou simpática com a atendente que me indica uma poltrona e me pede para esperar. Espero.
Nessa hora o anjinho e o diabinho já se pegaram no tapa, por isso desencano de pensar em qualquer outra coisa. Apenas rezo para que essa chance enfim seja uma possibilidade.
O entrevistador me chama e segue seu roteiro protocolar.
Me pede que descreva o meu currículo. Depois algumas experiências. Enfim, pergunta defeitos e qualidades pessoais. Problemas que tive em outros empregos. Me testa de todos os jeitos. É irônico. Às vezes cínico. E não demora muito e o diabinho retorna vestindo em minha imaginação uma roupa de sádico no entrevistador.
Sorrio. Penso nas palavras do anjinho quase como se fosse um mantra e respondo as perguntas do entrevistador sem me alterar. Como se tudo não passasse de uma brincadeira de mau gosto.
Enfim, após muito jogo de cintura e muita perguntas ele finaliza sua sessão:
- Bem, senhorita Helga. Verificamos que a senhora fala muito bem, articula bem suas idéias, porém verificamos que tem pouca experiência.
Pronto. O diabo cresce mil vezes no meu ombro, espanta o anjo e faço novamente uma cara de trouxa.
E como não haveria de ser? Experiente, certamente, é o entrevistador. Afinal, os quatro anos de estagio que fiz só me serviram de entretenimento entre uma aula da faculdade e outra. Aliás, eu só fiz estágio porque não havia nada mais divertido para fazer a tarde.
E enquanto as palavras do entrevistador servem de alimento para deixar meu diabinho interno ainda maior, vejo a minha vida passar por mim como se fosse um filme de humor negro. Quer dizer que aquela história de percorrer fóruns, ter um expediente sem hora para acabar, ficar redigindo peças sem fim e aturar chefes mal humorados não me serviram de experiência para nada? Quer dizer que o meu esforço, a minha vontade de aprender e levar as coisas tão a serio na busca de uma competência profissional se revertem dessa maneira?
A minha vontade de mandar o entrevistador tomar no cu é tão insana que chega a fazer cócegas na minha garganta.
Dessa vez um sorriso cínico surge de mim e em poucas palavras eu tento me defender. Enfim, temos animosidades à altura.
Mas no teste da paciência, eu já perdi há muito tempo.
Apertamos as mãos. E seguimos nossos caminhos.
“Não arrumo emprego porque não tenho experiência. Não tenho experiência porque não tenho emprego”. E a minha vida ali, presa nessa estúpida tautologia. Ou melhor, pleonasmo.
Espero no ponto o ônibus que não vem. Quando chega, finalmente embarco com a cabeça baixa.
Dessa vez minha auto-estima não embarca. Sequer se senta nos fundos.
Ela permanece no ponto de ônibus, com uma vontade infantil de cair aos prantos ou quem sabe até ligar para a minha mãe.
Ela permanece no ponto de ônibus. Inexperiente feito é.

3 comentários:

Anônimo disse...

Tostines é ruim...tá na hora de mudar pras bolhachas da Bauducco ! Talvez, a degustação surpreenda a todos nós !
Querida, tudo vai ficar bem ! E aconselho vc a comprar bolachas rechadas...e fresquinhas ! Elas são mto melhores !
Te adoro !

Guilherme disse...

Eu não tenho carteira da OAB.

Helga disse...

Nem sempre a vida é justa Tucun... Mas fico feliz que vc tenha voltado a comentar por aqui!