segunda-feira, julho 31, 2006

Pai

Um dia ainda quero te encontrar na esquina da desilusão, para dizer que não preciso mais seguir os teus passos, que não preciso mais dos teus abraços, do seu dinheiro e do teu olhar de desaprovação. Um dia vou te encontrar tão grande que vou me esquecer o quanto sou pequena e que não sei nada da vida. Um dia não vou mais ter medo de escuro, de injeção e de ser feliz. Eu vou acordar de bom humor de manhã cedo. Um dia vou te convencer a caminhar algumas horas em silêncio comigo, não porque você esta gordo, mas porque às vezes você me faz falta. Um dia eu ainda vou fazer você se arrepender de dizer que quando você morrer eu vou morrer de saudades. Porque eu vou mesmo. Um dia eu vou deixar de ser a culpa do seu passado mal resolvido e quem sabe ai, me mudo para a pensão da Dona Genoveva, que tantas vezes eu te ouvi amaldiçoar. Um dia eu não vou mais correr para os teus braços porque o mundo anda pesado demais, porque a vida vai me ensinar a chorar sozinha no escuro do meu quarto e eu vou levantar mais forte depois.Um dia eu vou construir meu futuro sem esperar que você esteja na platéia. Um dia eu vou deixar de ser a menina que eu sempre sou quando você me abraça e me dá aquele beijo melado que eu odeio.Um dia eu vou me odiar menos por te amar tanto.

quarta-feira, julho 26, 2006

Psicografia

Quando a encontrei, ela já estava com os olhos fundos e pequenos, mergulhados na melancolia do samba bem tocado e da cerveja bem gelada. Escrevia freneticamente num pedaço de guardanapo todas as suas angústias esperando do papel os ouvidos atenciosos, que nessa hora, estavam ocupados demais com aquele samba. Sentei por perto, silenciosamente, tentando compreender o que se passava. Com os movimentos vagarosamente alcoolizados, ela pousou o guardanapo todo rabiscado na minha frente e me pediu para que lesse. Li atentamente aquele aglomerado de palavras tentando compreender psicografia do medo do amor. Porque era mais fácil que o amor fosse espírito do que realidade. O que é etéreo não machuca, só assusta.
E aquela cena me lembrou muito um trecho de “O pequeno príncipe” em que, ao encontrar um bêbado ele faz a seguinte pergunta “Porque você bebe?”, e o bêbado responde “Bebo para esquecer”. Intrigado o principezinho retruca “esquecer o quê?” e o bêbado responde “esquecer a vergonha que eu tenho de beber”. E assim, exatamente dessa forma, ela me apresentava o amor: como se ele fosse para nunca ser vivido, afim de nós nos poupássemos da nossa autêntica fragilidade humana.
Ai ela me perguntou sobre aquilo que eu compreendia da subjetividade da sua psicografia maluca. E eu, com a sinceridade que somente o álcool permite, respondi que muito pouco. Mas na verdade eu compreendia muito, e, de certa forma pactuava a sua vontade de transformar o amor em algo tão distante da realidade, que a paixão, quando acabasse, fosse como se nunca tivesse existido.
E seria então tudo mágico, se não houvesse o nosso desespero humano de esperar a mensagem do celular, o convite para o aniversário que não veio, o sorriso que iluminava os segundos perdidos do nosso dia. Seria mágico se o medo não fizesse a gente martelar na nossa testa a palavra “amiga”, para conter aquela vontade incontida se ser amor.
E a minha amiga estava ali, incontida e frágil em cima de um papel rabiscado, tentando enfim traçar a receita mágica da paixão indolor.
Receita que eu também não sei. Mas se eu pudesse te dizer, diria que o único amor que dói é aquele que a agente não viveu. Porque aquele que a gente viveu mas não deu certo, o tempo cura.

sábado, julho 15, 2006

Da arte que simplesmente admiro

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

(Fernando Pessoa)

Um bom samba, um bom jazz e um bom texto...

As perguntas nunca calam quando o assunto é o sofrimento ou a indignação, que às vezes trago nas minhas palavras, nessa estranha brincadeira que faço: a minha própria verborragia relatada. E não me sinto dissecada, numa mesa de anatomia, quando falo de uma tristeza ou de algo que me perturba o sono ou a alma. Não me incomoda a incidência da primeira pessoa no verbo, ainda que o verbo seja “doer”. Embora em nenhum momento eu escape ao crivo dos meus amigos ou daqueles que me conhecem. Muita gente me pergunta: Porque raios publicar um sofrimento que poderia ficar ali, guardado em uma pasta do seu Word? Como se a leitura daquilo que eu escrevo fosse algo compulsório. Muita gente entende que descrever a tristeza e publicar num blog é uma espécie de sado-masoquismo para um voyeur virtual desconhecido, ou, trocando em miúdos, uma exposição desnecessária.
Num mundo onde se compra felicidade em um comprimido de Prozac, não me estranha que as pessoas se acostumem a condenar a falta da felicidade alheia. Num país cujo analfabetismo funcional seja em percentuais tão absurdos, também não me causa espanto que o fato de gostar de escrever, ainda mais sobre a tristeza, seja considerado uma patologia das mais crônicas, das mais graves. Praticamente sintomas de uma depressiva em potencial, ou quem sabe, de uma síndrome ainda inexplorada pela psiquiatria.
Porque relatar um pedaço da tristeza é renunciar um pouco dessa felicidade que todos nós compramos nas propagandas de margarina, e tentamos fazer dela um pouco a nossa existência. Pois bem, eu abdiquei do meu compromisso de ser feliz nas minhas palavras e me sinto à vontade para descrever esse sentimento tão condenável que é a tristeza. Simplesmente o faço sem nenhuma culpa, desnudo e sincero, na primeira pessoa. Porque se tivesse um pincel e aprendesse a pintar, pintaria um quadro. Se tivesse um violão e aprendesse a tocar, faria uma música. Mas aprendi com as palavras a fazer a minha estranha arte, que é tão direta e crua e às vezes toca a sensibilidade de um leitor mais desprotegido da sua pretensa obrigação de ser feliz. Mas logo em seguida, lhe vem a reação não menos humana, de condenar: afinal é melhor ser alegre que ser triste.
Tenho certo que a alegria caricata, que é tão típica do palhaço, se fizesse parte das minhas palavras, nunca seria real e me pouparia muitas linhas. A alegria a gente tem vivendo e não descrevendo. A tristeza não. A tristeza busca a complexidade das palavras, faz a dança dos verbos, sujeitos e a adjetivos se tornar humana. Porque a tristeza precisa de compreensão e não do esquecimento. É certo que como diz o mestre das palavras, que para mim é Carlos Drummond de Andrade, que a dor é inevitável o sofrimento é opcional. Mas é certo também que falar de tristeza não é necessariamente sofrer incondicionalmente. É , ao menos na minha estranha dinâmica, meu jeito de expressar e de interagir, de não deixar a tristeza cair no esquecimento.
Mas não escondo que gosto daquela melancolia de final de domingo, daquela tristeza que sobrevêm com a ressaca, da mágoa explicita no fundo do copo de cerveja, da ferida aberta dos meus desamores dissecados. Porque o poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente.
E um bom samba, um bom jazz e um bom texto se fazem sim com um bocado de tristeza!

sexta-feira, julho 07, 2006

Eu sonhei

Sonhei com brejo de principes na Helgolândia. Era um cenário de Tim Burton. Tinha um monte de rostos bonitos sorrindo no meio de um monte de lama, e junto com eles, umas poesias do Vinicius e do Drummond e uma confusão de sentimentos. Senti tudo olhando para aquele lugar...
Tinha um coração partido flutuando no meio da lama. E tocava incessantemente "My funny Valentine" na voz do Chet Baker...