sábado, abril 11, 2009

Conversa com um homem casado

(I'm a just a little girl, who's looking for a little boy, who's looking for a girl to love - Ella Fitzgerald "Looking for a boy")

Do outro lado de um salão escuro, atrás da penumbra e da fumaça de cigarro, Ele a olhava incessantemente e com desejo. Ela, que gostava de brincar de desentendida nessas horas, desfazia-se em caras e bocas, fingindo-se entretida com a conversa de outro alguém. Cervejas. Mais cervejas. E risos. Gargalhadas...
Sem pedir licença e com a astúcia de quem sabe jogar, Ele se aproxima e pergunta:
- Sagitário?
Ela, sem entender muito e um pouco zonza por conta das cervejas, lhe responde:
- Hum?
- Sagitário. O seu signo. Não é?
- Como você sabe?
- Seu jeito. Bem charmoso...
Uma resposta a queima roupa já era o suficiente para lhe deixar desconcertada, mas sem perder a compostura, respondeu:
- Olha, não acredito em videntes... Você estava prestando atenção na conversa alheia... Que coisa mais feia!
- Não consegui tirar os olhos de você... Eu te conheço?
- Imagino que não. Mas já assisti alguns shows seus... Sou amiga do baixista. (Ele era o baterista)
- Estranho eu nunca ter te visto. Ou reparado. Você é muito linda.
-Você é muito explícito.
- Você ainda não viu nada...
Ele era absolutamente hipnotizante. Olhos verdes que despiam a alma. Barba por fazer que já deixava tudo feito. Perfeito. Jeans surrado, tênis calçado. Tinha um tempero de moleque. Tinha um perfume de homem. Se fosse um substantivo, seria masculino e singular: “tesão”. Se fosse um adjetivo, era “lindo” e ponto final.
- Não sei se quero ver.
Por óbvio aquela era uma frase solta, sem sentido e sem corresponder com a real veracidade de seu interior entorpecido por aquele sujeito.
- Posso te beijar?
- Mas assim?
- É ó...
Os lábios se aproximam. Os olhos se fecham. E a mente então, reflete um flash... Ela desvia o rosto.
- Você não quer?
- Escuta, quando você tocava na banda há um tempo, você tinha uma namoradinha... Aliás, vocês eram um casal muito bonito. Você está solteiro? O que aconteceu?
O atirador de respostas a queima roupa se mantém calado.
Meio sem jeito e absolutamente sem coragem ela pergunta:
- Não me diga que você casou?
Ele finalmente rompe o silêncio e retruca:
- O que você chama de casar?
- Morar junto.
- Então casei.
Ela não consegue esconder o descontentamento e responde com fúria:
- E que porra você está fazendo aqui?
Ele responde com tanta sinceridade, que as palavras beiram o cinismo:
- Eu acho importante beijar outras mulheres.
Atônita Ela se perguntava incessantemente que tipo de brincadeira de mau gosto era aquela.
- Olha, fui criada numa moral católica fodida. Não trabalho com homens casados.
- Você deve estar me achando um filho da puta.
- Eu não tenho cara de tribunal ou de juíza, tenho?
- Olha não me julgue...
- Também não tenho cara de psicóloga, certo?
- Eu amo a minha mulher. Só decidimos levar um relacionamento aberto...
- Hu hum...
- Eu a trato como uma rainha...
- Espero que ela goste da coroa de chifres... Eu não gostaria.
- Eu sempre me dou mal porque conto a verdade. Mas eu sei que você queria. E eu continuo te querendo. Absurdamente.
- Agressivamente...


- Me dá seu telefone? Por favor?
- Não rola.
Ela havia ficado em um extremo mau humor.
- Olha, desde que eu te vi entrar aqui estou com os olhos grudados em você. Um beijo, não pode ser tão ruim...
- Perdi a vontade, você pode voltar para sua bateria agora... - Mas porque?
- Você é lindo, ok? Absolutamente lindo. Tem cara de desejo. Barba de desejo. Jeito de desejo. Eu beijaria você facilmente. Mas hoje não, tá?
- Mas porque não?
- Porque eu preciso acreditar em algum romance. Em qualquer um. De véu e grinalda e com votos de eternidade.

quarta-feira, abril 01, 2009

Sobre o fordismo

"Se ama e se tortura/ Se tritura, se atura e se cura/A dor/Na orgia/Da luz do dia/É só/O que eu pedia/Um dia pra aplacar/Minha agonia."

(Chico Buarque - Basta um dia)



O fordismo deu errado, porque não foram produzidos Chicos em série. E o mundo (na minha opinião) precisava.