domingo, junho 21, 2009

Filosofia de boteco

(“There’s nothing you can do that can’t be done. Nothing you can sing that can’t be sung. Nothing you can say but you can learn how to play the game. It’s easy.” – All you need is love. The Beatles.)

O amor antes dos vinte e cinco anos é uma espécie de bungee jump. A melhor parte é quando se salta rumo ao desconhecido. Os medos existem, é certo, mas nada supera a vontade de fazer a adrenalina pulsar. É tanta fé e coragem, que um estranho em pouco tempo se torna o grande amor da sua vida. E os sonhos surgem durante a queda. A inocência é um terreno fértil para que cresça um romantismo, ainda que piegas. É mais fácil acreditar. É mais fácil confiar a ponto das expectativas se tornarem boas aliadas. É mais fácil se enganar. É mais fácil.
O amor depois dos vinte e cinco é um abismo. Tão logo percebemos que estamos acompanhados, ficamos olhando um para a cara do outro, para ver quem salta primeiro. Enquanto isso não ocorre, persistimos nos agarrando a certezas incertas, que se montam diante das nossas inseguranças, nossos medos e traumas. É uma luta mais árdua. Quem criar expectativas primeiro perde. É uma longa jornada de sedução, mastigada em mensagens que piscam no celular e um romantismo evasivo, que vai e vem. É mais difícil acreditar. É mais difícil confiar a ponto dos medos se tornarem fúteis aliados. É mais difícil se enganar. É mais difícil.
O que nunca muda, antes e depois dos vinte e cinco anos, é que o amor não é fácil de encontrar. Por isso, talvez, tudo se resuma a duas pequenas coisas: coragem e paciência.
Pequenas coisas, que de tão pequenas, esqueci em alguma gaveta de mim.

sábado, junho 06, 2009

Diagnóstico

(Para meus amigos da Oficina de Contos da Casa das Rosas. Escritores de verdade.)

Quando a porta do elevador se abriu, fui de encontro a uma solidão pouco habitual. No corredor escuro, não se ouviam os ganidos histéricos do cão da vizinha, nem o som abafado da televisão. Não havia cheiro de bolo. Apenas frio e silêncio.
Toquei a campainha e acompanhei seus passos se aproximarem lentos até a porta. A maçaneta girou com dificuldade e diante do vão já pude reconhecer seus olhos azuis, flamejantes, inundados de surpresa. Quando me viu, sua face automaticamente se transformou em um emaranhado de rugas que se amontoavam para dar espaço a um sorriso. Me abraçou sem muitas cerimônias.
Repetiu inúmeras vezes a alegria em me ver, enquanto por dentro, eu lamentava o trabalho, a correria e a distância que agora me fazia visita. Pediu para que eu me acomodasse na sala enquanto me traria uma surpresa. Afastei o tricô estendido no sofá, me sentei em um canto e aguardei ansiosamente enquanto ela veio trazendo consigo um enorme saco de fotografias:
- Olha só o que achei escondido no alto do armário!
Era como se me trouxesse um tesouro. Sentou-se ao meu lado e buscou os óculos pendurados no pescoço. Passeou os dedos sobre os plásticos que guardavam as fotos já amareladas e começou a contar com orgulho a história de toda a família. Cada relato era permeado de incertezas. Fui percebendo que as datas e os rostos lhe eram confusos. A única lembrança que era viva e contada com riqueza de detalhes, era a saudade de meu avô, que parecia não se perder no tempo.
Ao perceber que ela se esquecia via o diagnóstico saltar junto da sujeira que se escondia debaixo do tapete. O córtex cerebral iria murchar e aos poucos as lembranças iriam se apagando. Talvez ela perdesse o controle de si. Talvez os remédios atenuassem esse processo. Nada era preciso nas palavras do médico, exceto a evidência da minha angústia.
Eu me perguntava incessantemente se esquecer era doença ou era benção, diante de tudo o que é o tempo. Mas ela persistia ao meu lado, lutando em favor de sua memória, enquanto eu seguia corrigindo as datas, dando nome às pessoas, fazendo-lhe lembrar as palavras. Queria estar ao seu lado, brigando pela mesma guerra injusta. Mesmo sabendo que sairíamos perdendo.
Ela mesma já tinha consciência disso e ao ver que eu era cúmplice do seu esforço me confessou seu medo da morte. Eu, sem saber o que dizer, não contive as lágrimas. A morte, na verdade, pouco assustava. Temia o esquecimento, pois sabia que estávamos vivos, todos, em sua memória.