domingo, agosto 21, 2011

Hell (o inferno somos nós mesmos)


A tarde ia pela janela. Meus olhos não se cansavam de ver prédios. Prédios e mais prédios, incessante paisagem. No banco de trás, um passageiro mascava chicletes no mesmo ritmo de um ponteiro de relógio. Eu tentava ler um livro em vão, mas o calor tornava o ar pesado demais e minha concentração desistia a cada vez que meu vizinho abria a boca. O som vicioso da saliva rodando na boca do moço se sobressaia ao som da rua. Fechei o livro e deixei meus pensamentos se perderem naquela paisagem cinza, naturalmente urbana. Foi no ponto seguinte que ela subiu. Lembro-me de ter parado para prestar a atenção nela quando sorriu em agradecimento ao cobrador que lhe devolvia o troco da passagem. Ela tinha um sorriso muito bonito, claro no rosto, um nariz fino e os olhos bem pequenos. Sua pele era branca a ponto de serem visíveis algumas sardas e, neste detalhe, apesar das roupas sérias, reconhecia nela um ar de menina. Seus cabelos eram castanhos, levemente aloirados e suavemente compridos. Eram tão finos que lamentei não poder tocá-los, pois pareciam extremamente macios. Ela tinha os seios pequenos, os quadris fartos e as pernas absolutamente grossas, o que, naturalmente prendeu meu olhar, antes abandonado na janela. Do final da saia, que ficava bem no início do joelho, até o tornozelo suas pernas eram deliciosamente grossas.
Não queria que ela me percebesse, mas ao mesmo tempo meus olhos já não tinham razão. Eles ficavam ali estáticos sobre aquelas pernas cobertas por uma fina meia calça preta. Ela notou que eu lhe grudara as retinas e, como havia um lugar vago ao meu lado, perdi a vergonha e cheguei a me afastar induzindo que ali tinha um espaço para ela. Mas ela desviou o olhar e sentou-se ao lado de uma senhora.
Logo puxou conversa e pude ver que ela era bastante espontânea. Parecia muito simpática e sorridente. Eu, como só consegui vê-la de costas, ficava feliz quando ela me presenteava com um perfil. Podia ver seu nariz fino, certeiro, e, por sorte, do banco onde estava, tinha uma vista quase privilegiada de seu grosso tornozelo. Ela falava com tanta certeza sobre a vida e sobre os fatos que me curvei levemente para saber o que tanto dizia. Havia muita sinceridade em suas palavras e às vezes constrangia a própria senhora com tantas perguntas. Ela parecia engraçada o que me fez simpatizar com sua figura, mas ao mesmo tempo, sem muita certeza, me pareceu alguém um pouco instável.
Quando ela se levantou, o ônibus já havia cumprido metade de seu percurso. Me dei conta de que meu ponto havia ficado para trás há tempos, quando ela finalmente se despediu da senhora lhe dizendo seu nome: Helga. Eu, ainda hipnotizado em suas pernas suntuosas e roliças pensei: deve vir de "hell". Aquela mulher tornava o calor o meu inferno. Aquelas pernas, aquele jeito, tão sincero, tão espontâneo. Aquele pecado de meias pretas tão comportadas. Aquela inquietude, meio menina, meio mulher. Aquele olhar pequeno e incontido. Aquele dúbio. Aquele misterioso nariz fino. Aquele silêncio em meio aos meus pensamentos curiosos, que se despediam sem, ao menos, conhecê-la.