sexta-feira, dezembro 16, 2011

Sem afeto (eu nunca te prometi nada)

Se for para ser sem afeto,
Por favor:
Procure as cabras,
Procure as putas,
Procure as mãos,
Procure a solidão.
Essa mesma de outros buracos onde você também se enfia.
De um desejo que em si, por si, se acaba. E se consome.
Sem vínculos e sem medo.
Então não se prometa.Sequer se comprometa.
Em gestos ou palavras, ainda quentes e sussurradas ao pé do ouvido.
Mas, por favor:
Se for para ser sem afeto,
Só não procure,
Passe reto,
Do coração de qualquer mulher.

domingo, agosto 21, 2011

Hell (o inferno somos nós mesmos)


A tarde ia pela janela. Meus olhos não se cansavam de ver prédios. Prédios e mais prédios, incessante paisagem. No banco de trás, um passageiro mascava chicletes no mesmo ritmo de um ponteiro de relógio. Eu tentava ler um livro em vão, mas o calor tornava o ar pesado demais e minha concentração desistia a cada vez que meu vizinho abria a boca. O som vicioso da saliva rodando na boca do moço se sobressaia ao som da rua. Fechei o livro e deixei meus pensamentos se perderem naquela paisagem cinza, naturalmente urbana. Foi no ponto seguinte que ela subiu. Lembro-me de ter parado para prestar a atenção nela quando sorriu em agradecimento ao cobrador que lhe devolvia o troco da passagem. Ela tinha um sorriso muito bonito, claro no rosto, um nariz fino e os olhos bem pequenos. Sua pele era branca a ponto de serem visíveis algumas sardas e, neste detalhe, apesar das roupas sérias, reconhecia nela um ar de menina. Seus cabelos eram castanhos, levemente aloirados e suavemente compridos. Eram tão finos que lamentei não poder tocá-los, pois pareciam extremamente macios. Ela tinha os seios pequenos, os quadris fartos e as pernas absolutamente grossas, o que, naturalmente prendeu meu olhar, antes abandonado na janela. Do final da saia, que ficava bem no início do joelho, até o tornozelo suas pernas eram deliciosamente grossas.
Não queria que ela me percebesse, mas ao mesmo tempo meus olhos já não tinham razão. Eles ficavam ali estáticos sobre aquelas pernas cobertas por uma fina meia calça preta. Ela notou que eu lhe grudara as retinas e, como havia um lugar vago ao meu lado, perdi a vergonha e cheguei a me afastar induzindo que ali tinha um espaço para ela. Mas ela desviou o olhar e sentou-se ao lado de uma senhora.
Logo puxou conversa e pude ver que ela era bastante espontânea. Parecia muito simpática e sorridente. Eu, como só consegui vê-la de costas, ficava feliz quando ela me presenteava com um perfil. Podia ver seu nariz fino, certeiro, e, por sorte, do banco onde estava, tinha uma vista quase privilegiada de seu grosso tornozelo. Ela falava com tanta certeza sobre a vida e sobre os fatos que me curvei levemente para saber o que tanto dizia. Havia muita sinceridade em suas palavras e às vezes constrangia a própria senhora com tantas perguntas. Ela parecia engraçada o que me fez simpatizar com sua figura, mas ao mesmo tempo, sem muita certeza, me pareceu alguém um pouco instável.
Quando ela se levantou, o ônibus já havia cumprido metade de seu percurso. Me dei conta de que meu ponto havia ficado para trás há tempos, quando ela finalmente se despediu da senhora lhe dizendo seu nome: Helga. Eu, ainda hipnotizado em suas pernas suntuosas e roliças pensei: deve vir de "hell". Aquela mulher tornava o calor o meu inferno. Aquelas pernas, aquele jeito, tão sincero, tão espontâneo. Aquele pecado de meias pretas tão comportadas. Aquela inquietude, meio menina, meio mulher. Aquele olhar pequeno e incontido. Aquele dúbio. Aquele misterioso nariz fino. Aquele silêncio em meio aos meus pensamentos curiosos, que se despediam sem, ao menos, conhecê-la.





quarta-feira, junho 29, 2011

Trabalho


Computador


Com puta dor


Dor


Computa a dor


Multiplica o ardor


Computador


Dor


Puta dor


Computa a dor


Computador



sexta-feira, junho 10, 2011

Desobediente


Certo dia, quando eu ainda era bem pequena, minha mãe apareceu com um pacote branco enrolado em um laço de fita cor de rosa. Como não era de dar presentes fora de hora, me espantei com aquela atitude da minha mãe. Mas ela me confortou rápido, pedindo para que eu o abrisse. Desembrulhei o pacote sem pensar muito e quando me deparei com um pequeno caderno cor de rosa, com folhas de coraçãozinho, um ursinho na capa e um pequeno cadeado, eu sorri em deslumbramento. Como toda menina, eu era obcecada por caderninhos e canetinhas e adesivinhos. Vivia com os meus aos montes, incansavelmente. Mas o fato daquele pequeno caderno ter um cadeado logo me intrigou e perguntei para a minha mãe porque a necessidade de mantê-lo trancado. Ela então me explicou que se tratava de um diário, onde eu deveria escrever as coisas mais importantes da minha vida e por se tratarem das coisas mais importantes, elas poderiam ser mantidas em segredo. Como eu não sabia aos nove anos de idade quais eram as coisas mais importantes da minha vida, permaneci dias, no silêncio do meu quarto, angustiada, olhando para aquelas folhas de coraçãozinho, que permaneciam em branco. Era muita coisa escrever sobre as coisas mais importantes da minha vida e de fato eu me dei conta, ali, que eu não sabia quais eram.


Meus irmãos logo perceberam que eu andava estranha. Uma certa hora do dia, me fechava no quarto e ficava um bom tempo lá na frente de um caderno cor de rosa curioso. Quando se deram conta de que no pequeno caderno havia um cadeado, perceberam que não se tratava de um caderno comum e me perguntaram o porquê do caderno secreto. Eu, na esperança de que eles me ajudassem a escrever sobre as coisas mais importantes da minha vida, contei que se tratava de um diário. No entanto, ao saber disso eles riram. Para o meu espanto meus irmãos não me ajudaram em nada com a missão de escritora e a partir desse dia montaram um verdadeiro esquema para furtar o meu diário.


Quando percebi as intenções dos meus irmãos, passei a guardar meu diário no lugar mais secreto que conhecia: dentro do vestido da minha boneca favorita. Não demorou uma semana para que eles descobrissem. Quando pegaram meu diário, ainda em branco, pois eu não sabia quais eram as coisas mais importantes da minha vida, eu fiz um escândalo. E minha mãe, com muita justiça os colocou de castigo por dois dias.


Passados os dois dias, tratei de achar um novo esconderijo: debaixo do colchão da cama dos meus pais. Mas dessa vez pareceu até que foi mais fácil. Não demoraram muito a descobrir e, novamente, eu abri o berreiro.


Enquanto eu procurava novos lugares para esconder meu diário, algo muito estranho me aconteceu. Eu me fechei no quarto naquele dia e escrevi, escrevi desesperadamente e por horas ininterruptas, até sentir os dedos das mãos doerem. Eu não me lembro exatamente o que eu escrevia, mas tinha a sensação de que eram palavras sobre as coisas mais importantes da minha vida. E quando coloquei o ponto final na última frase, eu me senti aliviada.


Não entendia porque naquele dia eu havia conseguido colocar tantas coisas no papel. Quase como um vômito ou uma epifania. Mas imaginei que algo tinha a ver com meus irmãos e suas incansáveis perseguições ao meu diário. O fato deles se esforçarem tanto atrás daquele caderninho, por pura desobediência, de certa forma tornava mais tranquila a minha missão de escrever sobre as coisas mais importantes da minha vida. Sem compreender muito, pensava que as coisas mais importantes da minha vida residiam, talvez, na simples desobediência, ainda que essa desobediência fosse a dos meus irmãos. E era exatamente por ela, que eu escrevia.


Comecei então a pensar sobre os lugares mais escusos para esconder meu diário. Para que o esforço fosse maior e consequentemente meus irmãos buscassem mais. Procurassem mais. Sabia que quanto maior fosse a desobediência, mais coisas eu escreveria.


Certo dia então, sem que eu percebesse, eles acharam meu diário. Seguiram escondidos até a sala e iniciaram a leitura. Meu pai abriu então a porta e deu de cara com os dois. Quando percebeu que liam o meu diário, meu pai ficou tão bravo, mas tão bravo que discursou horas sobre a intimidade das pessoas e o direito à privacidade. Dessa vez, meus irmãos choraram mais do que eu. Mas eu assisti com olhos tristes, finalmente, aquela perseguição acabar.


Eram sete horas de uma noite fria. Da janela do décimo quinto andar eu via o trânsito da Avenida Paulista fechar como uma tempestade. As buzinas gritando raivosas. Quanto tempo se perdia ali? A xícara com um resto café esfriava sobre a mesa. Na tela do computador 1479 e-mails não lidos e o telefone, ao lado, tocando estridente. Atendo. A secretaria na linha me pede para passar a ligação de mais um cliente. Mas eu permaneço estática. Outro e-mail pula em minha tela, dessa vez avisando sobre o vencimento do cartão de crédito. Desvio o olhar rápido e permaneço estática, olhando quase sem ar. Na Avenida em meio aos carros dois meninos correm. Correm desafiando a lentidão do trânsito, a solidão estática daquela noite fria. Eu desligo o telefone sem dizer uma palavra. Pego minha bolsa, vou até o elevador e quando saio só me lembro de ir ao café mais próximo. Eu me sento. Abro a bolsa, pego a caneta e começo a escrever. Escrevo como se fazendo o errado, fizesse o mais certo. Escrevo porque as palavras me brotam como o ar que me falta. Escrevo procurando respirar sobriedade além desse ar poluído. Escrevo e os meninos correm, agora, dentro de mim. Escrevo porque ali residem as coisas mais importantes da minha vida. Escrevo por desobediência.

quinta-feira, junho 02, 2011

Escrevo ou fragmentos

Continuei escrevendo. Em linhas certas e ao mesmo tempo duvidosas. Escrevia pelo meu inconformismo de morrer todos os dias, um pouco, no trânsito estático. Escrevia para respirar alguma sobriedade além desse ar poluído. Escrevia pelos amores que não podia viver e pelos que precisavam morrer. escrevia para desafiar o sono, o cansaço e a minha incompatibilidade com a lógica do relógio. Escrevia o encantamento sobre o papel branco que carrega em si a única liberdade realmente absoluta. Escrevia para me sentir, para não ser mais uma, sonhando na estação do trem. Escrevia para não ser engolida pelo vencimento das minhas contas, para não ser hinotizada com os juros do cartão. Escrevia porque o meu silêncio não me bastava e ao mesmo tempo o meu grito não me continha. Escrevia para seduzir o escuro. escrevia para negar a cegueira conduzida pelo cotidiano. Escrevia pela imortalidade da suadade. Escrevia pela música dos teclados. escrevia pela solidão que vive no óbvio da vida.Escrevia quando me faltava ar. Escrevia porque os músicos tocavam, porque os pintores pintavam e porque os poetas diziam. Escrevia para me desgrudar do óbvio e da preguiça. Escrevia para aquecer a alma, para escutar dentro. Escrevia por meditação. Escrevia pela vontade de perder a vontade, que é sempre uma insensatez. Escrevia pela loucura sufocada nas minhas meias calças. Escrevia porque era maior do que eu: feito fome, libido, sede e vontade de fazer xixi. Escrevia para me libertar dos padrões dos relatórios. Escrevia por me apaixonar pelas palavras. Escrevia por que meus irmãos corriam dentro de mim, pelas coisas mais importantes da vida. Escrevia por desobediência.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Lembranças coloridas para um silêncio em preto e branco


Ela rasga o saquinho de chá com destreza, despejando todo o seu conteúdo na xícara ainda fumegante. O perfume das ervas me invade com a mesma violência do silêncio que se instala sobre o absurdo. Permaneço por alguns longos segundos atônita, enquanto ela gira a colher com naturalidade. Eu giro ao mesmo tempo em mim, nessa certeza de vê-la indo. A todo tempo ela está indo. Se esgotando.
“Vó, esse não é o adoçante”.
Ela olha a xícara e demora algum tempo até finalmente perceber. “É mesmo!” – ela me lança um sorriso sem graça. “Essa minha cabeça. Não está ajudando muito.” Eu digo a ela que tudo bem. Eu digo a ela com a mesma tranqüilidade com que ela me dizia quando eu tinha medo de escuro “Tudo bem”.
“Vem, deixa que eu recolho. Vamos dar um jeito nisso, ok? Você ainda quer o chá de laranja?”. Agora o silêncio parece que também toma conta dela. Até que pouco encorajada, como quem acorda de um sono distante, ela me responde que sim.
Eu mergulho o saquinho de chá em uma nova xícara e despejo a água. Antes que minha tristeza tome conta dela, eu reitero, “Tudo bem Vó. Não tem problema.”
Levanto e vou até a cozinha, dessa vez para buscar a faca do pão que faltou. Quando me sento novamente ela faz sua velha e sábia pergunta “E o namorado?”. Dessa vez eu sorrio sem jeito. “Ahhh Vó... Está muito difícil arrumar um homem nos dias de hoje” e dou uma gargalhada, dessas feitas para desconversar.
“Eu tenho rezado para você. Rezo para todos vocês. Todos os dias, eu começo na sua mãe e depois vem vocês, e, depois vem sua tia e seus primos e depois seu tio e a família dele”. Os nomes dessa lista são necessariamente trocados. E eu a corrijo sutilmente, enquanto ela me diz “É? Não, esse é aquele”.
Eu digo a ela que tudo bem. No fundo, quem nunca teve medo de escuro?
“Que bom que você reza por mim. Vó pede pro santo um bonitão, moreno, forte, barriga tanquinho, rico e, por favor, que não seja gay”. Caímos as duas na risada.
“É difícil arrumar um homem” ela me diz.
“Vó me conta aquela história de como você conheceu o Vô?”. Eu simplesmente adoro essa história e acho que já a ouvi milhões de vezes. Fico extremamente feliz por ela esquecer que me conta, pois sua alegria é como se nunca tivesse me contado. A hora que mais gosto, é quando ela olha de canto e cora, e depois, logo em seguida, abre um sorriso largo, como se fosse hoje. Como se fosse ontem esse tempo curto das lembranças.
“Você sabe, naquele tempo não tinha shopping e internet. As pessoas se conheciam na praça. No domingo, depois da missa. Acabava a missa e todo mundo ia para a praça. Era engraçado, as mulheres rodavam para um lado e os homens para o outro. E assim que a gente flertava. Um dia eu percebi que ele me olhava. Mas ele era tão garboso (vou ao delírio quando ela usa essa palavra) que eu demorei a entender que era comigo. Ele tinha uns olhos azuis. Parecia um artista de cinema...”
O passado é um lugar nada confuso agora. Até mesmo as palavras se encaixam nas frases, sem lhe dar nenhum trabalho. Eu fico com os ouvidos bem abertos, deixando aquela história tomar conta da sala inteira.
Lembro-me de quando era pequena e enquanto ela fritava o bife, eu permanecia debruçada sobre a mesa com a minha caixa de lápis de cor, entretida com algum desenho. A gordura estalava e ela me perguntava o que tanto eu desenhava. Sem perceber, eu lhe contava histórias fabulosas.
Enquanto minha Vó descreve todos os seus suspiros e os olhos do meu avô, seguro minha caixa de lápis de cor com toda força. Eu sigo pintando, com todas as cores que posso, nossas lembranças coloridas. Até que o silêncio nos cubra de preto e branco.
Enquanto ela se vai, eu fico, eu insisto, em todos os momentos.
Não tem problema ter medo de escuro. Tudo bem.

sábado, janeiro 15, 2011

Cinderhelga

(http://www.youtube.com/watch?v=SUP2nEM6yYQ)


"Era uma vez, uma mulher que via um futuro grandioso para cada homem que a tocava. Um dia, ela se tocou."

(Alice Ruiz)