terça-feira, março 06, 2007

Concreto

Cheguei a essa cidade afoita quando já havia me esquecido dos diversos tons de cinza que descolorem o céu. Desacostumada, logo que escuto os teus primeiros sons, chego a achar bonita a sinfonia de buzinas que anuncia o transito caótico. São Paulo me lança o seu primeiro sorriso ríspido que por ora eu não sei se encoraja ou intimida.
Pego o primeiro ônibus lotado, onde o calor abafado provoca pesados suspiros. Estão todos ali com o saco na lua e eu sou mais uma retirante de mochilas provocando os olhares descontentes dos outros mal acomodados passageiros.
Desço no primeiro ponto e o sinal vermelho me deixa desfilar a vontade sobre a faixa de pedestres. Ao meu lado, seguindo pelo mesmo trajeto, tropeça uma moça.
Indignada, ela me retrata a cena que eu havia acabado de assistir: tão logo o sinal abriu, o motorista lançou-lhe o carro para que ela apressasse o passo. Enquanto ela bufa o descontentamento do seu final do dia, eu retribuo o sorriso ríspido que recebi e lhe digo “Bem vinda a São Paulo”.
Com um genuíno sotaque nordestino ela me responde “Bem vinda ao Brasil. Porque isso não é problema de cidade grande não. É falta de educação mesmo”. Acho graça na verdade cruamente retratada naquela esquina e diante de um sorriso, seguimos até o próximo ponto. No caminho ela me conta que vem de Maceió e há um tempo tenta se acostumar ao cotidiano caótico de uma cidade tão bruta. Digo-lhe que sofro dos mesmos anseios.
E assim que ela reconhece nas minhas palavras uma hospitalidade atípica daqui, ela segue seu caminho me desejando “boa sorte”.
Eu aguardo no ponto mais vinte minutos o ônibus que não vem. Ali tenho a leve certeza de que tanto gás carbônico agregado aos meus pulmões um dia fará do meu coração um pedaço de concreto. Ali tenho a triste certeza de que um dia meus sonhos seguirão amontoados no trem de metrô, ou talvez sejam vendidos em um camelô na vinte e cinco de março. Ali eu me lembro daquela música do Toquinho que eu gostava quando criança e dizia que “o futuro é uma astronave que tentamos pilotar”. E ali, enquanto os sonhos brincam de ser incertos em meio a tanto cinza, eu não tenho mais certeza de nada. E São Paulo sorri, em meio ao caos que me hipnotiza, lançando sobre mim a mesma prece que se lança para quem decide sonhar mais do que viver.

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