domingo, novembro 05, 2006

A minha vida é um risoto.

Quando a chave de casa terminou sua pequena volta na boca da fechadura, eu senti a boca do meu estômago reclamar num irritado suspiro de fome. Pensei imediatamente em virar as costas e encontrar um restaurante que resolvesse o meu problema. Contudo, nesse exato momento eu contava apenas com R$ 2,00 na carteira e isso não era dinheiro o suficiente para um almoço decente. Pensei então em matar a minha fome com requintes de crueldade na barraca de cachorro quente da esquina, mas lembrei que o custo benefício daquela empreitada talvez não fosse tão bom quanto parecia. Dessa vez eu teria que encarar a geladeira com coragem e fazer um almoço digno de quem ta com pouca grana e muita fome. Era a boa e velha omelete que já fritava nos miolos do meu cérebro. Mas onde estavam os ovos mesmo? Minha geladeira era um cenário de guerra depois da primeira batalha...
Os primeiros passos por aquele campo minado de prateleiras vazias não foram muito encorajadores. Encontramos no meio do caminho alguns destroços de uma cebola estragada, uma cerveja gelada, uma coleção de fungos sobre o tomate e uma maçã velha no fundo da gaveta. Certamente fazer um almoço naquela situação não seria lá uma tarefa fácil, então apelamos para a velha e boa dispensa. Lá você sempre encontra um molho de tomate perto de vencer e um macarrãozinho esperto que costumam se transformar em um belo almoço-quebra-galho. Especialidade no meu menu.
Contudo, nada de macarrão e nada de molho de tomate. Havia um pacote de chá de hortelã, barrinhas de cereal, um pacote de arroz e outro de feijão. E tudo isso não parecia nada motivador.
Ok. Sem desesperos, se ainda nos restava o velho e bom freezer. E sim! Era naquela imensidão gelada que eu certamente iria encontrar algum projeto de almoço congelado pronto para ser servido. Embora a minha vontade nessa hora fosse me alimentar de luz, de ar ou de música. Ou sei lá do quê. Eu tinha fome de quê mesmo?
Finalmente, por trás daquela névoa gelada, encontrei um verdadeiro tesouro: um potinho de molho de queijo com frango e ervilhas, que um dia eu inventei numas dessas bruxarias que eu apronto na minha cozinha. Fechado! Com um arroz, aquilo se passaria facilmente por um estrogonofe albino e autêntico. Era o final feliz dessa história se, obviamente, neste exato momento os problemas de fato não tomassem uma real proporção.
Nasci com uma série de defeitos, mas entre os mais graves, eu confesso: não sei fazer arroz!
Já fiz de tudo: mais água, menos água, só frito com cebola, frito com cebola e alho, ponho sal no começo, no meio e no fim do negócio e ele não sai. Isso quando não queima! O que é uma ironia gastronômica da minha vida, afinal dizem que arroz é algo para se colocar na panela e ta pronto. Não dá para mexer muito... Deve ser por isso que erro tanto.
Ah! Eu me rendi então. Era o final da minha tentativa de salvar um estomago com menos de três reais, e, o começo do meu humor. Já havia quase perdido a fome. Ali tudo se resumia a fé, coragem e bolacha de água e sal.
Mas sem me entregar de vez àquela situação que beirava o auge do ridículo, deixei de exaltar tanto o meu estrogonofe albino para transformá-lo em um prato bem mais simples. Em uma panela com um pouco de óleo e tempero, fritei o arroz e juntei a minha inusitada invenção de queijo com frango e ervilhas. Uns quinze minutos de fogo baixo, e, no auge do meu desespero, brotava diante dos meus olhos um “magnífico” risoto! Que apesar de meia boca, era ao menos sincero.
Comi com satisfação o meu tão batalhado almoço e no deleite do meu estômago saciado me veio um pensamento. De repente eu conclui que, da mesma forma, na minha vida faltam tantas coisas quanto falta na minha geladeira. E, diante de tudo aquilo que falta, fazer um estrogonofe albino pode soar grande e valente, contudo pode ser a garantia de fome.
A minha vida é um risoto.