sexta-feira, maio 17, 2013

Fogo na floresta


A voz veio alta, grave, retumbando por entre as frestas dos barracos, escapando pelas escadas apertadas do morro. Rapidamente, o céu foi pretejando de fumaça e o emaranhado de fios e pipas abandonadas no poste foram se escondendo na névoa e naquele ar pesado. “Fogo! Fogo!” gritava o Seu Zé, dono do bar mais popular da comunidade. Ele descia as escadas estreitas aos berros e às vezes, quando não aguentava mais, acabava encostando uma das mãos em qualquer poste, deixando a cabeça tombar, involuntária, pelos pulmões que pediam arrego. As tiras da sandália já gasta dançavam na sola, fazendo com que o velho Zé cambaleasse morro abaixo, como um bêbado louco que incansável insistia “Fogo! Saiam que é fogo!”.
Mas fogo na favela é bala. Toque de recolher. Porque se tem bala no ar, ninguém sai, apenas se esconde no umbigo do próprio barraco, até que a tropa da polícia passe e, depois da sua truculência, deixe um rastro de vermelho para quem fica: chorar. Em silêncio. E assim, os gritos do Seu Zé, naquele momento onde ainda não se ouvia o fogo crepitar, faziam apenas o efeito contrário, empurrando os moradores para suas casas. Seu Zé gritava mais alto, até a voz esganiçar, em desespero. Ele, que descia o morro só com a roupa do corpo, deixando para trás até a garrafa de whisky importada vinda de um contrabando. Filha única, de mãe solteira. Como havia tantas outras ali, que ele não poderia salvar.
Mas Raquel, que também nunca soube o nome do verdadeiro pai, colocou os olhos para fora da janela do barraco e quando viu o velho afoito, concluiu na simplicidade dos seus cinco anos, que aquilo não poderia ser tiro de polícia, nem de traficante. Aquilo era fogo e criança não podia chegar perto. A mãe já havia saído muito cedo para o serviço e Raquel foi para o barraco do vizinho, onde ficavam os cinco filhos do seu Adilson e dona Jucileide.
Dona Jucileide entendeu rápido que a favela estava em chamas e antes de alinhar os filhos para correr, pegou a televisão no lombo e saiu gritando “Fogo! Fogo! Saiam que é fogo!”. Os meninos e Raquel acompanharam a mulher, cada qual com os olhos assustados, levando nas mãos um brinquedo velho.
Aos poucos, a fumaça foi tomando corpo deixando o morro mais cego e sem ar. Os moradores começaram a sair de suas casas com tudo o que cabia nos ombros, nas mãos e nas costas. Alguns se organizaram, em uma espécie de força tarefa, tentando salvar sofás e geladeiras, mas o fogo avançava voraz, comendo os parcos bens daqueles que não tinham quase nada, sem piedade.
Os gritos de “fogo” foram contaminando todas as vielas do morro. Em meio às labaredas, o povo corria, de um lado para o outro, tentando salvar o que não tinha, antes mesmo dos bombeiros e da polícia chegar. É claro que isso ninguém sabe, ninguém viu, mas no meio do corre corre, o que era de um virou do outro, fosse comida, fosse eletrodoméstico. Quando a favela ardia, a cobiça gelava, e o que um queria ter, já era do outro, sem saber.
A notícia do incêndio também se alastrou pela TV e Mara, que esfregava o chão de uma casa granfina do outro lado da cidade, ao ouvir o nome da favela, deu um salto em desespero “Raquel, minha filha!”. Pediu à patroa que pudesse ir ver o que estava acontecendo. A patroa, sem tirar os olhos do computador, apenas disse aquela moça negra de vinte e poucos anos: “Vai, mas volta logo, pois ainda tem uma pilha de roupa para passar...”.
Eram três conduções para chegar em casa e como não havia tempo, Mara gastou todo o dinheiro que tinha em um táxi. Entrou no carro chorando e apenas pediu para o taxista correr.
Quando chegou na entrada da favela, mal dava para passar, tamanha a confusão de polícia, bombeiros e moradores tentando de alguma maneira combater o fogo. Mara aos prantos, rompeu o cordão de isolamento formado por aqueles homens fardados e correu com toda a força que tinha em direção ao seu barraco.
Quando chegou, o barraco de madeira velha, estava meio tombado, mas longe das chamas. Entrou, vasculhou e não encontrou Raquel. Saiu novamente para a rua, meio atônita, e quando olhou para o lado, percebeu que até a velha árvore ainda estava lá. Em seus galhos, um pássaro ia e voltava, num voo rasante e rápido, como quem quer fugir e não pode, para longe de toda aquela fumaça. Mara olhou com mais atenção e viu o ninho com os filhotes piando. A mãe que dava os voos rasantes parecia não saber o que fazer.
O policial veio acudir, mas ainda que pudesse ela não voaria para longe. A casa que fica, no coração não queima e Mara se manteve estática com os joelhos cravados no chão de terra, chorando.
No fundo da viela, dona Jucileide veio com Raquel no colo e os outro cinco filhos juntos, todos apinhados. Gritou pelo nome de Mara que correu em direção à filha até abraça-la forte. Seu Zé vinha logo atrás, pedindo ao policial que lhe deixasse subir para pegar sua última garrafa de whisky importado.
Quando a polícia e os bombeiros chegaram na favela em chamas, o caminhão da construtora e os galões de gasolina vazios já estavam longe dali. Quando a cidade precisava crescer e o progresso chegar, não tinha outro remédio ou outra receita, ateava-se fogo na floresta. E os pássaros que se recusavam a deixar o ninho, morriam ali, sem a resistência necessária para nos lembrar que ainda somos todos bichos.

terça-feira, dezembro 11, 2012

Olhos

Era o começo de uma noite extremamente quente. As luzes, todas, que iluminavam a avenida, deixavam-na com um aspecto de um forno elétrico onde fervilhavam milhares de pessoas.  Milhares de famílias felizes que vinham ali, nesta época do ano, admirar os enfeites coloridos e brilhantes da Avenida Paulista.
Quando atravessou, com o chinelo maior que os pés e o short maior que o corpo, não me surpreendeu. Afinal, são comuns esses meninos que engraxam sapatos por lá. Cor da pele preta, camisa surrada e no lugar do caixote, trazia inúmeros enfeites piscantes pendurados junto ao corpo, desses vendem aos montes na Rua Vinte Cinco de Março. Gritava qualquer coisa, oferecendo seus produtos a um preço mísero. Fazia paisagem, o pequeno menino piscante.

Quando o sinal fechou e a família toda atravessou. A filha segurava a mão da mãe. O filho vinha agarrado ao pai. Máquina fotográfica em punho e todos sorrindo, maravilhados diante dos ursos enormes que cantarolavam “Merry Christmas” diante dos incontáveis prédios daquele paraíso artificial.

A atenção do menino junto ao pai então se desviou para o outro menino. Aquele que piscava e oferecia as luzinhas. Ele então apontou e na sequencia olhou o pai, com olhos redondos de menino. O outro, se aproximou piscante, até que de modo sorrateiro. Parou de gritar os preços e com olhos redondos, também olhou o pai.

O pai, coagido pelo inferno do consumo em uma noite quente feito aquela, tentou ignorar. Mas o filho, insistentemente puxou-lhe a blusa dizendo imperativo “eu quero”. O outro, que não podia cometer tal insistência permaneceu parado e estendeu ao pai um bastão colorido que brilhava.  O pai ficou sem jeito e ralhou com o filho, que por sua vez, baixou os olhos inconsoláveis. O menino recolheu o bastão colorido rapidamente e da mesma forma baixou os olhos inconsoláveis.

Peguei a carteira em um ato desesperado. Queria comprar o bastão colorido de um e entregar ao outro, a força mesmo. Sem a razão da paternidade. Mas a família feliz sumiu diante da multidão e o menino com seus bastões coloridos não demorou a voltar a gritar seus preços.

Olhei os olhos do papai noel gigante. Estáticos, vítreos, como o de uma estátua deveria ser. Pensei se poderia olhar. E se pudesse ver, o que faria? Porque eram olhos iguais, de meninos que não deveriam ser diferentes. Me perguntei se haveria outro jeito de desejar feliz natal.

sábado, agosto 04, 2012

Brinquedo


Não. Eu não sabia. E justamente por não saber, me encolhi no banco do fundo do carro e chorei, quando minha mãe me disse: “Manuela, sua professora veio conversar comigo hoje. O que você tem minha filha? Ela me disse que você não brinca no mais no recreio. Fica somente olhando o pátio das meninas mais velhas...”.

Eu não soube responder à minha mãe o porquê, mas de fato acontecia. Eu não sabia se alguém me via... Quando tocava o sinal do recreio, eu simplesmente corria para um canto, atrás da folhagem, que dava acesso à grade e ao pátio onde ficavam as crianças mais velhas. Meus coleguinhas gostavam mesmo é do insosso tanque de areia. Eu olhava para ele e não conseguia sequer mais ver um castelo. Então eu ia ao meu lugar secreto, às vezes para ficar disputando espaço com as lagartas que devoravam o pobre arbusto, e ficava ali por horas admirando.

A minha obsessão ficava logo à frente do gradil, bem diante dos meus pequenos olhos. Uma fila de pneus coloridos em tons pastéis, enterrados no chão, formando uma fila de arcos, pequenos, médios e grandes. Ali ficavam somente as crianças mais velhas, que até então eram as únicas autorizadas a brincar naquele espaço. O meu objeto de desejo era chamado de pulapula.

 A brincadeira consistia mais ou menos no seguinte: apoiar as palmas sobre os pneus, pegar um impulso, esticar as pernas bem firmes no ar e chegar ao outro lado. Até completar a fila. Era, para mim, uma dança, onde as meninas todas se enfileiravam e pulavam inúmeras vezes a mesma sequencia de pneus, até o sinal tocar.

Eu quase podia ver a cena em câmera lenta. Existia uma menina, chamada Juliana, que era a mais rápida de todas. Antes de pular o primeiro pneu, que era o mais alto, Juliana se concentrava. Respirava fundo. Colocava as duas mãos, perfeitamente paralelas, e então dava um impulso. Suas pernas estendiam no ar com tanta leveza e ao mesmo tempo com tanta firmeza. Suas tranças, as duas, voavam uma para cada lado e ela seguia no mesmo ritmo, até chegar o final da fila para depois bater palmas para si e comemorar. As outras meninas vibravam com a rapidez de Juliana e eu sonhava ser ela, quase todos os dias.

Quase todos os dias, até o dia em que bateu o sinal. Juliana iria saltar pela última vez. Eu queria ver. Do outro lado eu já ensaiava os passos, para fazer igual, o dia em que meu dia chegasse. Eu queria ter a mesma beleza dela, queria fazer exatamente como ela, nos pneus. Então resolvi arriscar.

A professora deu minha falta. Rodou a escola inteira gritando meu nome. Eu conseguia ouvi-la, mas não queria sair dali. Meu esconderijo. Até que ela me achou. Me deu uma enorme bronca por não retornar a sala de aula no horário correto. Eu permaneci em silêncio até chegar na sala. Mas não imaginava que ela iria chamar meus pais.

Eu apenas não sabia. Não sabia por que aquilo acontecia. Mas eu precisava ir até lá, estar até lá, todos os dias, atrás do gradil. Às vezes, quando as meninas não estavam, eu apenas ficava olhando os pneus coloridos, enfileirados, traçando minha estratégia para pular. Todos os cinco. Eu já treinava em meus pneus imaginários. Já pensava o dia em que fossem todos meus. E eu, primeiramente, colocaria as mãos, paralelas e saltaria ao ar, fazendo com que meus cabelos voassem, até estender as pernas, firmes e leves, lá no alto. Quando chegasse ao chão, a areia quase não voaria. Pois seria como pousar, com a mesma leveza em que fazem os pássaros.

Mas a professora percebeu. Minha mãe percebeu. Eu não entendia o que havia de errado. Quando é que a gente começa achar o estranho, normal. Mas era esse o processo. E eu apenas me rendia.

Aos poucos comecei a bolar o plano perfeito. Seria na hora da saída. Quando batia o último sinal, não havia mais pátios separados: crianças mais velhas tinham livre acesso ao pátio das crianças mais novas. Era a hora. Exatamente nessa hora. Eu burlaria os olhares desconfiados das professoras que nos vigiavam no pátio e iria de encontro aos meus pneus.

Um dia deu certo. Porque tinha que dar. Eu já tinha superado a minha fase platônica, já tinha em mim, todos os atributos de sedução. Eu tinha até tranças, como as da Juliana, para pular os pneus como ela. Eu seria, talvez, mais do que ela. Eu teria quase a mesma beleza que até as meninas tinham, quando isso lhes acontecia.

Cheguei ao meu território proibido. Minhas pernas tremiam. Minha respiração ofegante e meu coração disparado. Olhei para os pneus e pensei “são meus” e enrolei as tranças, com um olhar quase doce, para todos eles. Porque aquela certeza era minha e era tão minha que eu preferia que eles não soubessem.  Eu preferia que aqueles pneus todos não soubessem, o quanto eu já havia feito por eles, precisava parecer que era fácil, que era leve, que não doía.

Encaixei as duas mãos, paralelamente, em perfeição. Era a minha chance. Os pneus eram bem maiores do que eu. Bem maiores que as minhas pernas. Eu saltei ao ar. Minhas tranças voaram como tinha de ser. E eu me senti a menina mais bonita do colégio, do mundo, do planeta. Estiquei as pernas no ar, com força e leveza, durou segundos, eu não me importei, cheguei ao chão pela primeira vez depois do primeiro pneu, tão feliz. Eu estava tão feliz. Encaixei minhas mãos e pulei o outro. E o outro. E ...

A professora surgiu gritando, lá do fundo do pátio. Minha mãe vinha logo em seguida. Faltava o último pneu. Eu estava em estado de graça. Achando que já tudo podia. Com a certeza que as ilusões sempre nos proporcionam. Porque a gente acha que é nosso? Porque a gente chama de “meu” e porque constrói todas as certezas no ar, quando na verdade, é a mais pura verdade e a mais pura incerteza da vida? Porque a gente mora nosso corpo no outro? Porque a felicidade não cresce em um terreno baldio? Em um tanque de areia insosso?

A professora estava furiosa. Era o último pneu da fila. Eu encaixei minhas mãos afoitas, dessa vez, eu pulei com tanta força que fui diretamente com o queixo no chão.

A minha mãe gritou esbaforida. Eu fechei os olhos e fiquei algum tempo ainda sobre o chão. Sentindo estilhaçar como vidro fino, a minha mais linda certeza do mundo. Quando levantei minha mãe estava pálida me vendo no chão. A professora não sabia o que dizer. Quando me levantei, senti  o líquido quente escorrer diretamente do meu queixo, pingando sobre a minha camiseta. As tranças já desfeitas. Quando vi que era vermelho, chorei.

Minha mãe me levou direto para o hospital. A professora continuava sem saber o que dizer, numa mistura de raiva e culpa, diante de sua negligência. Foram três pontos. Falsos.

Eu só pensava nos pneus.  Enfileirados. Eu pensava nas minhas tranças voando no ar, no dia em que me senti a menina mais bonita...

Não, eu não sabia. Mas foi ali, naquele dia, a primeira vez em que me apaixonei.
















quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Frestas da realidade

Alguns livros tem alma. Alguns escritores me deixam sem fôlego e fazem cair dos olhos uma chuva de verão. Marçal Aquino é assim.


"Tem sido assim meus dias. Sou mais feliz que 97,6% da humanidade, nas contas do professor Schiamberg. Faço parte de uma ínfima minoria, integrada de monges trapistas, alguns matemáticos, noviças abobadas e uns poucos artistas, gente conservada na calda da mansidão à custa de poesia ou barbitúricos.Um clube de dementes de categorias variadas, malucos de diversos calibres. Gente esquisita, que vive alheia as frestas da realidade. Só assim conseguem se entregar por inteiro àquilo que consagram como objeto de culto e devoção. Para viver num estado de excitação constante, confinados num território particular, incandescente, vedado aos demais. Uma reserva de sonho contra tudo que não é doce, sutil ou sereno. É o mais próximo da felicidade que podemos experimentar, sustenta Schianberg.
Não sei que nome você daria a isso.
Bem, não importa muito, chame do que quiser.
Eu chamo de amor."


("Eu ouviria as piores notícias dos seus lindos lábios", Marçal Aquino)

sexta-feira, dezembro 16, 2011

Sem afeto (eu nunca te prometi nada)

Se for para ser sem afeto,
Por favor:
Procure as cabras,
Procure as putas,
Procure as mãos,
Procure a solidão.
Essa mesma de outros buracos onde você também se enfia.
De um desejo que em si, por si, se acaba. E se consome.
Sem vínculos e sem medo.
Então não se prometa.Sequer se comprometa.
Em gestos ou palavras, ainda quentes e sussurradas ao pé do ouvido.
Mas, por favor:
Se for para ser sem afeto,
Só não procure,
Passe reto,
Do coração de qualquer mulher.

domingo, agosto 21, 2011

Hell (o inferno somos nós mesmos)


A tarde ia pela janela. Meus olhos não se cansavam de ver prédios. Prédios e mais prédios, incessante paisagem. No banco de trás, um passageiro mascava chicletes no mesmo ritmo de um ponteiro de relógio. Eu tentava ler um livro em vão, mas o calor tornava o ar pesado demais e minha concentração desistia a cada vez que meu vizinho abria a boca. O som vicioso da saliva rodando na boca do moço se sobressaia ao som da rua. Fechei o livro e deixei meus pensamentos se perderem naquela paisagem cinza, naturalmente urbana. Foi no ponto seguinte que ela subiu. Lembro-me de ter parado para prestar a atenção nela quando sorriu em agradecimento ao cobrador que lhe devolvia o troco da passagem. Ela tinha um sorriso muito bonito, claro no rosto, um nariz fino e os olhos bem pequenos. Sua pele era branca a ponto de serem visíveis algumas sardas e, neste detalhe, apesar das roupas sérias, reconhecia nela um ar de menina. Seus cabelos eram castanhos, levemente aloirados e suavemente compridos. Eram tão finos que lamentei não poder tocá-los, pois pareciam extremamente macios. Ela tinha os seios pequenos, os quadris fartos e as pernas absolutamente grossas, o que, naturalmente prendeu meu olhar, antes abandonado na janela. Do final da saia, que ficava bem no início do joelho, até o tornozelo suas pernas eram deliciosamente grossas.
Não queria que ela me percebesse, mas ao mesmo tempo meus olhos já não tinham razão. Eles ficavam ali estáticos sobre aquelas pernas cobertas por uma fina meia calça preta. Ela notou que eu lhe grudara as retinas e, como havia um lugar vago ao meu lado, perdi a vergonha e cheguei a me afastar induzindo que ali tinha um espaço para ela. Mas ela desviou o olhar e sentou-se ao lado de uma senhora.
Logo puxou conversa e pude ver que ela era bastante espontânea. Parecia muito simpática e sorridente. Eu, como só consegui vê-la de costas, ficava feliz quando ela me presenteava com um perfil. Podia ver seu nariz fino, certeiro, e, por sorte, do banco onde estava, tinha uma vista quase privilegiada de seu grosso tornozelo. Ela falava com tanta certeza sobre a vida e sobre os fatos que me curvei levemente para saber o que tanto dizia. Havia muita sinceridade em suas palavras e às vezes constrangia a própria senhora com tantas perguntas. Ela parecia engraçada o que me fez simpatizar com sua figura, mas ao mesmo tempo, sem muita certeza, me pareceu alguém um pouco instável.
Quando ela se levantou, o ônibus já havia cumprido metade de seu percurso. Me dei conta de que meu ponto havia ficado para trás há tempos, quando ela finalmente se despediu da senhora lhe dizendo seu nome: Helga. Eu, ainda hipnotizado em suas pernas suntuosas e roliças pensei: deve vir de "hell". Aquela mulher tornava o calor o meu inferno. Aquelas pernas, aquele jeito, tão sincero, tão espontâneo. Aquele pecado de meias pretas tão comportadas. Aquela inquietude, meio menina, meio mulher. Aquele olhar pequeno e incontido. Aquele dúbio. Aquele misterioso nariz fino. Aquele silêncio em meio aos meus pensamentos curiosos, que se despediam sem, ao menos, conhecê-la.





quarta-feira, junho 29, 2011

Trabalho


Computador


Com puta dor


Dor


Computa a dor


Multiplica o ardor


Computador


Dor


Puta dor


Computa a dor


Computador