segunda-feira, outubro 12, 2009

Sr. Geraldo - O vibrador

Quando ele se aproximou, meu nariz estava fixo em algum capítulo do livro que havia escolhido para as minhas férias. Por isso não lhe dei muita atenção. No entanto, tão logo ele se sentou, retirou dos bolsos um aparelho de MP3, que automaticamente me fez desviar o olhar.
Tratava-se de um simpático senhor, de aproximadamente setenta e poucos anos, com os cabelos bem brancos e um olhar azul bem profundo. Vestia um colete de fotógrafo, uma mochila com uma pequena garrafa de água e ao perceber que meu olhar se desviou de curiosidade, me lançou logo um sorriso largo:
- Você é de São Paulo mesmo?
Era a primeira vez em que viajava completamente sozinha e minha prudência me recomendava não falar com estranhos. Mas se tratando de um velhinho portando um MP3 e me sorrindo de modo tão simpático, não julguei que corria qualquer perigo. Respondi-lhe então fechando o meu livro:
- Nasci no interior, mas estou aqui há oito anos.
A minha travessão não dava início apenas a uma resposta, mas principalmente, começava uma longa conversa que se prolongaria por mais de oito horas, até a chegada ao meu destino.
Sr. Geraldo, como se chamava, era uma espécie de Forrest Gump do ônibus. Um incrível contador de histórias.
Ao longo da viagem, me contou praticamente sua vida inteira que hoje se resumia a uma espécie de revezamento de avós, que realizava junto da esposa, para auxiliar a filha que tinha lhe dado mais um neto.
Professor, advogado, ex-militante do movimento estudantil, machucado com o Brasil atual, idealista além da idade, Sr. Geraldo era uma figura e tanto. Um livro aberto e vivo, que fazia do meu livro escolhido para a viagem, apenas um apoio para as mãos.
- O Senhor parece mesmo gostar de dar aulas.
- Eu? Não. Eu odeio...
- Jura? Mas como assim?
- Sim, odeio... Nas escolas falta estrutura, os alunos são bem mal educados e pouco dedicados, é muito difícil ensinar.
- Então porque você insiste?
- Ahhh... Porque eu sou um vibrador!
Ao me dizer aquela frase, sem dar qualquer conotação pejorativa à palavra “vibrador”, o Senhor Geraldo me provocou uma enorme gargalhada.
- Mas o que é um vibrador? – Eu perguntei.
- Vibrador, Helga, é alguém que vibra com a vida. Eu sou assim... Vibro com a vida.
Senhor Geraldo desceu na rodoviária de Itabirito- Minas Gerais, deixando no meu dicionário um novo significado para a palavra “vibrador”.
Meses depois, quando escutava o discurso do meu chefe fomentando a minha demissão, poucas palavras faziam sentido. Até porque discursos desse tipo se resumem a uma única frase “vou foder sua vida, mas vai ser melhor para você”. Por isso nunca entendo a necessidade de demissões serem tão detalhadas, infestadas de meias-verdades, inundadas de tantas palavras.
Tantas palavras que sequer eu ouvia. A cara do meu chefe impassível era apenas mais um detalhe diante do abismo. Pensava como nunca em Seu Geraldo. Pensava o quão necessário era ter sua nova palavra, naquele momento, no meu curto e limitado dicionário.