terça-feira, fevereiro 21, 2006

In the name of love

Não preciso nem confessar que me desfiz em lágrimas depois de ver o Bono tocar “In the name of love (Pride)” e finalizar, ali no telão, com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Uma ironia, um tapa na cara, um orgasmo múltiplo de sinapse após um estupro craniano, ou ainda, o que porcamente se descreveria como algo que “até arrepia”. Porque as palavras sempre são insuficientes para descrever um sentimento. Chorei. Chorei pela verdade bruta que escancara aquilo que nós temos de demasiado humano: orgulho. Quantas atrocidades serão justificadas em nome do amor ? Essas atrocidades públicas e particulares que acontecem a todo momento. Bono está certo. Escreveremos leis, convenções, tratados de paz, inventaremos direitos, conceberemos garantias... Mas justificaremos, ainda sim, toda essa barbárie organizada, assistida passivamente e aplacada na nossa impotência, em nome do amor. Quantas crianças serão mutiladas física ou psicologicamente, terão o futuro confiscado, e viverão no silêncio que sobrevem a dor? Essas crianças que andam pelos morros, vestidas de soldados de uma guerra civil explicita, mas que ninguém vê. Essas crianças que páram os sinais das grandes avenidas, sinalizando a triste multiplicação da miséria que continua num futuro sem explicação, sem projetos. Essas crianças tão cheias de direitos, acolhidas em um berço de espinhos chamado FEBEM. Essas crianças que conheceram muito cedo o preço de não poder brincar.Problema que o direito não resolve, porque esse amor, em que todos nós nos justificamos, não será nunca institucionalizado.Em nome do amor, assinamos nosso orgulho, assim, na terceira pessoa, para não dizer que é com a gente, para não ver aquilo que não se quer ver. E quando se vê, tem alguém logo ali, promovendo a miséria do mundo, em meio a luzes muito caras, gritando em boa voz, tudo aquilo que se faz em nome do amor.Obrigada, Sr. Bono.

sábado, fevereiro 18, 2006

Amigos

É quase um céu cheio de estrelas onde não importam as noites nubladas, porque quando se vê, é quase como se sempre estivessem ali. E não importa quanto o tempo passe ou as despedidas. O reencontro é sempre como se fosse ontem... Então deixa ir. Porque o melhor é sempre ver voltar. E ainda que se tenha mudado tanto, nada mudou, no mesmo abraço. E na mesma cerveja, em que agente divide um pouco da vida. São momentos raros, que preenchem as melhores lembranças. Na mesma caixa de bombons, divida justamente, com algumas lágrimas, daquilo que um dia machucou. São os melhores ombros, quando o mundo fica dificil demais.Pesado demais. São um céu de estrelas, que ainda que não se veja em noites nubladas, nos iluminam e nos guiam. Para respirar fundo e poder ser aquilo que a gente realmente é. E sempre raros... seletos e raros.

sábado, fevereiro 11, 2006

Band Aid

"Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração"

(Elis regina- Como nossos pais)

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Quem tem medo do fórum?

Não faz tanto tempo assim quando me dei conta de que nada seria tão dificil na minha vida quanto compreender um fórum. Foi lá que tive todas as minhas crises jurídicas de forma mais veemente. Foi lá, pela primeira vez, que a questão que percorre o íntimo do meu ser, se manifestou de forma cáustica, acidental e expressa: porque diabos você foi fazer direito?!Já chorei no fórum, já briguei no cartório do fórum, aprendi a odiar a magistratura no fórum, ganhei imensas e doloridas bolhas no pé andando pelo fórum. E aprendi, da forma mais lúdica possível, o que significa o verbete "asco" logo que entrei, pela primeira vez no fórum. Foi um conceito logo compreendido, quando aquele cartorário gordo, mal humorado e seboso perguntou : "o que você quer doutorinha?!". Engoli a seco. Eram tantos sapos que, no fórum, meu estômago já virou brejo.No final do segunda ano da faculdade, quando iniciei a minha árdua trilha como estagiária, logo entendi que o fórum seria um campo de batalhas e, aos poucos, teria que aprender onde é que ficavam as trincheiras daquele lugar . E apanhei viu... e como!Me lembro que no segundo ano, tudo aquilo parecia um livro de Kafka ao vivo. Coisa que só compreendi, um ano depois quando li "O processo". Eu ia para lá saber do processo e quanto mais procurava saber, menos eu entendia. Maldita hora que fui ser mexeriqueira e aprendi que no fórum as poucas palavras sempre compensam mais.Foi a primeira lição. Com o tempo e os ensinamentos de processo civil, entendi que quanto mais objetivo o fórum for, menos dolorido ele é. Isto significa ir atrás do que você quer e ignorar as pequenas vicissitudes que habitam aquele lugar, quais sejam, os gracejos infelizes de advogados metidos a sabichões, cartorários que pesem toneladas ou ainda juizes que precisam de uma lei da boa educação para entender que ela não é só uma ficção jurídica. Não é fácil, mas é compensador. Saber o que se passa no processo e requisitar informações profissionalmente é a melhor trincheira dentro desse campo de batalha. Ajuda a sair com elegância de todos os obstáculos já citados, bem como, acaba por cativar os minutos do relógio, que costumam render mais quando não se preocupa com o inútil.Outra boa lição foi usar tênis para caminhar por lá. Nada mais "old fashion" e libertador do que vestir o bom e amigo par de tênis junto ao seu mais belo terninho. Estagiário é quase um atleta e nada mais ridículo do que andar fantasiado o dia inteiro a troco de um salário de merda e algumas bolhas no pé. Abaixo a ditadura da fantasia das roupas sociais! Havaianas no fórum...Afinal, o elevador tem grande probabilidade de quebrar e o número de bolhas duplica se você tiver que subir as escadas a pé.As lições dentro do fórum sempre foram as mais difíceis. Mas foram também aquelas que me colocaram a frente da profissão e me deram coragem e esperança de reinventá-la.As desilusões ali foram todas, mas a cada dia sobrevivido, acredito que fiquei um pouco mais forte, um pouco menos piegas, um pouco menos poeta, um pouco mais real. Amadureci e envelheci anos naquele lugar. Mandei a justiça a merda, fiz discursos imensos, ainda que no intimo, sobre toda a morosidade do judiciário.Foi triste, mas foi real.E para todas as desilusões, sempre resta o conforto de que "viver é melhor que sonhar".Quem tem medo do fórum? Só quem tem medo de encarar, que aquela realidade de justiça, é um entrave e uma batalha para nossos mais profundos ideais de justiça e para a realidade da nossa profissão.Tem medo de fórum quem busca a justiça nos livros e se esquece de que ela esta bem ali, entruncada num amontoado de processos, empilhada neste insalubre habitat chamado fórum, esperando um pouco mais de vontade e de profissionalismo de todos aqueles que por ali passam, diariamente.