quarta-feira, junho 29, 2011

Trabalho


Computador


Com puta dor


Dor


Computa a dor


Multiplica o ardor


Computador


Dor


Puta dor


Computa a dor


Computador



sexta-feira, junho 10, 2011

Desobediente


Certo dia, quando eu ainda era bem pequena, minha mãe apareceu com um pacote branco enrolado em um laço de fita cor de rosa. Como não era de dar presentes fora de hora, me espantei com aquela atitude da minha mãe. Mas ela me confortou rápido, pedindo para que eu o abrisse. Desembrulhei o pacote sem pensar muito e quando me deparei com um pequeno caderno cor de rosa, com folhas de coraçãozinho, um ursinho na capa e um pequeno cadeado, eu sorri em deslumbramento. Como toda menina, eu era obcecada por caderninhos e canetinhas e adesivinhos. Vivia com os meus aos montes, incansavelmente. Mas o fato daquele pequeno caderno ter um cadeado logo me intrigou e perguntei para a minha mãe porque a necessidade de mantê-lo trancado. Ela então me explicou que se tratava de um diário, onde eu deveria escrever as coisas mais importantes da minha vida e por se tratarem das coisas mais importantes, elas poderiam ser mantidas em segredo. Como eu não sabia aos nove anos de idade quais eram as coisas mais importantes da minha vida, permaneci dias, no silêncio do meu quarto, angustiada, olhando para aquelas folhas de coraçãozinho, que permaneciam em branco. Era muita coisa escrever sobre as coisas mais importantes da minha vida e de fato eu me dei conta, ali, que eu não sabia quais eram.


Meus irmãos logo perceberam que eu andava estranha. Uma certa hora do dia, me fechava no quarto e ficava um bom tempo lá na frente de um caderno cor de rosa curioso. Quando se deram conta de que no pequeno caderno havia um cadeado, perceberam que não se tratava de um caderno comum e me perguntaram o porquê do caderno secreto. Eu, na esperança de que eles me ajudassem a escrever sobre as coisas mais importantes da minha vida, contei que se tratava de um diário. No entanto, ao saber disso eles riram. Para o meu espanto meus irmãos não me ajudaram em nada com a missão de escritora e a partir desse dia montaram um verdadeiro esquema para furtar o meu diário.


Quando percebi as intenções dos meus irmãos, passei a guardar meu diário no lugar mais secreto que conhecia: dentro do vestido da minha boneca favorita. Não demorou uma semana para que eles descobrissem. Quando pegaram meu diário, ainda em branco, pois eu não sabia quais eram as coisas mais importantes da minha vida, eu fiz um escândalo. E minha mãe, com muita justiça os colocou de castigo por dois dias.


Passados os dois dias, tratei de achar um novo esconderijo: debaixo do colchão da cama dos meus pais. Mas dessa vez pareceu até que foi mais fácil. Não demoraram muito a descobrir e, novamente, eu abri o berreiro.


Enquanto eu procurava novos lugares para esconder meu diário, algo muito estranho me aconteceu. Eu me fechei no quarto naquele dia e escrevi, escrevi desesperadamente e por horas ininterruptas, até sentir os dedos das mãos doerem. Eu não me lembro exatamente o que eu escrevia, mas tinha a sensação de que eram palavras sobre as coisas mais importantes da minha vida. E quando coloquei o ponto final na última frase, eu me senti aliviada.


Não entendia porque naquele dia eu havia conseguido colocar tantas coisas no papel. Quase como um vômito ou uma epifania. Mas imaginei que algo tinha a ver com meus irmãos e suas incansáveis perseguições ao meu diário. O fato deles se esforçarem tanto atrás daquele caderninho, por pura desobediência, de certa forma tornava mais tranquila a minha missão de escrever sobre as coisas mais importantes da minha vida. Sem compreender muito, pensava que as coisas mais importantes da minha vida residiam, talvez, na simples desobediência, ainda que essa desobediência fosse a dos meus irmãos. E era exatamente por ela, que eu escrevia.


Comecei então a pensar sobre os lugares mais escusos para esconder meu diário. Para que o esforço fosse maior e consequentemente meus irmãos buscassem mais. Procurassem mais. Sabia que quanto maior fosse a desobediência, mais coisas eu escreveria.


Certo dia então, sem que eu percebesse, eles acharam meu diário. Seguiram escondidos até a sala e iniciaram a leitura. Meu pai abriu então a porta e deu de cara com os dois. Quando percebeu que liam o meu diário, meu pai ficou tão bravo, mas tão bravo que discursou horas sobre a intimidade das pessoas e o direito à privacidade. Dessa vez, meus irmãos choraram mais do que eu. Mas eu assisti com olhos tristes, finalmente, aquela perseguição acabar.


Eram sete horas de uma noite fria. Da janela do décimo quinto andar eu via o trânsito da Avenida Paulista fechar como uma tempestade. As buzinas gritando raivosas. Quanto tempo se perdia ali? A xícara com um resto café esfriava sobre a mesa. Na tela do computador 1479 e-mails não lidos e o telefone, ao lado, tocando estridente. Atendo. A secretaria na linha me pede para passar a ligação de mais um cliente. Mas eu permaneço estática. Outro e-mail pula em minha tela, dessa vez avisando sobre o vencimento do cartão de crédito. Desvio o olhar rápido e permaneço estática, olhando quase sem ar. Na Avenida em meio aos carros dois meninos correm. Correm desafiando a lentidão do trânsito, a solidão estática daquela noite fria. Eu desligo o telefone sem dizer uma palavra. Pego minha bolsa, vou até o elevador e quando saio só me lembro de ir ao café mais próximo. Eu me sento. Abro a bolsa, pego a caneta e começo a escrever. Escrevo como se fazendo o errado, fizesse o mais certo. Escrevo porque as palavras me brotam como o ar que me falta. Escrevo procurando respirar sobriedade além desse ar poluído. Escrevo e os meninos correm, agora, dentro de mim. Escrevo porque ali residem as coisas mais importantes da minha vida. Escrevo por desobediência.

quinta-feira, junho 02, 2011

Escrevo ou fragmentos

Continuei escrevendo. Em linhas certas e ao mesmo tempo duvidosas. Escrevia pelo meu inconformismo de morrer todos os dias, um pouco, no trânsito estático. Escrevia para respirar alguma sobriedade além desse ar poluído. Escrevia pelos amores que não podia viver e pelos que precisavam morrer. escrevia para desafiar o sono, o cansaço e a minha incompatibilidade com a lógica do relógio. Escrevia o encantamento sobre o papel branco que carrega em si a única liberdade realmente absoluta. Escrevia para me sentir, para não ser mais uma, sonhando na estação do trem. Escrevia para não ser engolida pelo vencimento das minhas contas, para não ser hinotizada com os juros do cartão. Escrevia porque o meu silêncio não me bastava e ao mesmo tempo o meu grito não me continha. Escrevia para seduzir o escuro. escrevia para negar a cegueira conduzida pelo cotidiano. Escrevia pela imortalidade da suadade. Escrevia pela música dos teclados. escrevia pela solidão que vive no óbvio da vida.Escrevia quando me faltava ar. Escrevia porque os músicos tocavam, porque os pintores pintavam e porque os poetas diziam. Escrevia para me desgrudar do óbvio e da preguiça. Escrevia para aquecer a alma, para escutar dentro. Escrevia por meditação. Escrevia pela vontade de perder a vontade, que é sempre uma insensatez. Escrevia pela loucura sufocada nas minhas meias calças. Escrevia porque era maior do que eu: feito fome, libido, sede e vontade de fazer xixi. Escrevia para me libertar dos padrões dos relatórios. Escrevia por me apaixonar pelas palavras. Escrevia por que meus irmãos corriam dentro de mim, pelas coisas mais importantes da vida. Escrevia por desobediência.