domingo, dezembro 17, 2006

O nosso amor a gente inventa...

Ele era assim: encantador. Encantador pelo que tinha de exótico, encantador pelo que tinha de irônico, encantador pelo que tinha de antítese. Ele era uma poesia urbana recitada em meus ouvidos. Um hippie livre e cheio de asas, do tamanho exato que a minha liberdade sempre sonhou. Eu casaria com aquele homem atrás daquele baixo. E o amaria incondicionalmente até por sua esquisitice.
E com um suspiro estupefato e sincero de quem encontra alguém sorrindo para a sua solidão mundana, eu cedi aos seus encantos e ao seu convite para um encontro.
Me convidou para ir a uma praça, ver o sol se pôr em meio a fumaça de São Paulo. Nada poderia ser mais romântico e perfeito para aqueles primeiros dias de verão.
No meio do caminho, comemos amoras no pé. E o calor, a brisa fresca e as conversas que se entrelaçam eram um indicativo forte de que ali acontecia um encontro de almas e não demoraria muito para que as bocas se encontrassem também. Se não fosse a boca de um cachorro que encontrasse meu calcanhar primeiro (sim, eu fui mordida por um cachorro no primeiro encontro com o meu príncipe encantado).
Em meio ao sangue que escorria pelo meu pé, os nossos olhares ficaram desprotegidos e ele colocou sobre todas as feridas do meu coração maltrapilho, uma camiseta surrada. Ele me protegia, me queria e me transformava. E eu era um sorriso de ternura, uma menina feliz que aparecia estatelada na sua retina. Eu amava.
A mordida de cachorro só poderia ser um presente do destino, me indicando que tudo aquilo era mágico e sincero. Como não poderia ser? Levaria cicatrizes daquele encontro no meu pé, pelo resto da minha vida! E se doía, tal qual não poderia deixar de ser, não era menos que amor de verdade.
Nos dividimos em cerveja, em corpos que tremeram em uma noite suja, de um orgasmo que eu nunca mais esqueci. O nosso amor barato, de boteco e consumado, era tão lindo que de tanta poesia eu deitei no seu peito aliviada e adormeci.
Acordei com o seu solo bruto de baixo, no meio da noite, entoando notas para o meu coração abobado. E eu estava tão feliz, mas tão feliz, que o mundo poderia acabar ali.
E acabou. Quando ele nunca mais me ligou. Atropelando esse sentimento raro que eu nunca mais senti...
Não.
Ele era assim: esquisito. Esquisito pelo que tinha de exótico. Esquisito pelo que tinha de irônico, esquisito pelo que tinha de antítese. Um cara de poesia barata escarrada nos meus ouvidos. Um hiponga metido a músico que me entortava os nervos. Eu socaria aquele cara atrás daquele baixo que só queria aparecer mais do que a banda.
Por excesso de álcool no coração e carência em limites acima do normal, eu aceitei seu convite para passar uma tarde vendo o sol se pôr numa cidade que nunca tem sol feito São Paulo.(equivalente a um programa de índio!)
Aceitei, e no meio do caminho, depois de estar com a mão melada de amora, um filho da puta de um cachorro mordeu meu pé. Eu deveria ter mordido o seu pé em seguida, só para demonstrar o quanto foi estapafúrdia a idéia de sair com um cara esquisito feito você.
Não, não me lembro dos seus olhos, mas apenas em pensar como iria sair dali, direto para o hospital tomar uma anti-rábica.(eu tenho pânico de injeção)
E quando ele me deu aquele colar brega que eu nunca usei, tentado consertar a situação, só me lembro de uma vontade insana de mandar enfiá-lo no cu. Afinal, o meu pé tava jorrando sangue e doendo horrores e não era o seu lado bom (que apareceu uma única vez) que iria mudar aquilo. A sua camiseta suada iria infectar essa ferida e para o meu azar eu me lembraria de você pelo o resto da minha vida através de uma cicatriz, ou quem sabe de uma infecção.
Nós dividimos a cerveja e a conta (porque você era um pé rapado) e com mais álcool do que lucidez eu acabei dando para você. Eu nunca mais esqueci o cheiro de incenso barato que você ascendeu no quarto, talvez para disfarçar a sua falta de banho.
Eu dei para você e como não poderia ser menos óbvio e covarde você sumiu. Fiquei meses tentando conservar a mocinha boazinha e desentendida que eu adoraria ser, mas ela se transformou num furacão de ira dentro de mim. Sim, aquela noite eu deveria ter ido embora sem dividir a conta. Eu deveria ter sacado que a tua sedução era proporcional ao teu desamor. Eu deveria ter me protegido no clichê de que todos os homens são iguais.


Mas eu acabei esquecendo o amor que eu jamais esqueceria. Acabei esquecendo o desamor que um dia eu me vingaria. Acabei esquecendo de você...
E sem você, eu me divido entre a vontade de assassinar o romantismo imbecil que faz da minha vida mais poesia do que realidade e a minha vontade de permanecer acreditando que não se vive a realidade se não existir ao menos um pouco de romantismo.
O fato é, que tirando o amor que eu inventei, eu também só queria te comer.

3 comentários:

Srta.T disse...

Ahahahaha, eu fico com a segunda parte. Ri horrores aqui, mas acho que valia a pena mencionar o espelho na porta de entrada e a tatuagem do sapo groovy.

E nossa bandinha, vai rolar?
Bisous

Guilherme disse...

Hippie é foda.

Anônimo disse...

Certeza. Faltou o lance do sapo. Fala sério, o cara é maluco!!

A mordida de cachorro foi só prenúncio das mazelas que ainda estavam por vir.

Ah, e adorei a parte do incenso prá camuflar o banho não tomado. Deemmais...

Por favor, querida, tenha mais tardes febris e produtivas como essa.

Beijocas,
ta