quarta-feira, setembro 22, 2010

Desperto

(“Várias vezes, no decurso da minha vida opressa por circunstâncias, me tem sucedido, quando quero libertar-me de qualquer grupo delas, ver-me subitamente cercado por outras da mesma ordem, como se houvesse definidamente uma inimizade contra mim na teia incerta das coisas.
Arranco do pescoço uma mão que me sufoca. Vejo que na mão, com que a essa arranquei, me veio preso um laço que me caiu no pescoço com o gesto de libertação. Afasto, com cuidado, o laço, e é com as próprias mãos que me quase estrangulo.” – O livro do desassossego/ Fernando Pessoa)


E se despertasse, louco, inquieto,
Como quem lhe tira o sono,
Como quem salga a boca com sede,
E, de repente, lhe tira a luz.
E se despertasse, errado, incerto,
Com a mesma violência do veneno que percorre as veias,
Como quem lhe rouba o pensamento,

E te entrega a eternidade dos minutos.
E se despertasse, feito dor, incômodo,
Uma formiga passeando sobre sua orelha e as mãos agora atadas.

Necessidade de gritar, com a boca fechada.
E se despertasse assim, intenso.

Como febre, soluço ou arrepio.
Haveria de me esquecer, feito guarda-chuva quebrado no canto do armário?