domingo, março 28, 2010

Cansaço

(“A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma” – Marina Colassanti – Eu sei, mas não devia”)

Essa aí sou eu. Em dia com o meu atraso. Na companhia da minha solidão. Encobrindo os espaços do meu estômago com angústia. Tentando ver sobre o escuro.
Essa aí sou eu. Cedendo para me poupar. Escapando pela válvula de escape. Amortecendo. Amortizando. Rotineiramente aceitando os limites. Aceitando.
Essa aí sou eu. Engolindo tudo a seco, com um alargador na garganta. Vivendo a indigestão. Brincando com a ironia do mundo. Crucificando a minha própria vontade de ser vítima. Aprendendo a ouvir o meu silêncio.
Essa daí sou eu. Entorpecendo o questionamento. Indo com a maré. Levando com a barriga. Virando a ampulheta. Deixando passar.
Essa aí sou eu. Sentindo a impotência dos sonhos. O apego à cama. A preguiça. O estômago vazio sem fome. A dor sem tempero.
Essa daí sou eu. Sucumbindo. Em cinza. Cansada do cansaço. Com gosto do desgosto. Acostumada.
Essa daí sou eu, acompanhando os minutos da morosidade. Caminhando sem passos.Vendo o dia passar entre um café e outro. Dando peso à leveza. Dando leveza à tristeza.
Essa daí sou eu. Sentada sobre o mesmo círculo que já rodei.
Essa daí sou eu. Sem saber que eu sou.