(Para o Phil. Pela distância que também nos faz próximos)
O sinal se fecha fazendo com que os carros se amontoem ansiosos ante a faixa de pedestres. Enquanto uma buzina ou outra reclama a pressa, centenas de pessoas invadem as ruas, cheias de sacolas, trombando-se com indiferença e desrespeito. Parecem formigas, levando no lugar das folhas, pacotes.
Apressados esses transeuntes multiplicam-se nas ruas, e, entre uma loja e outra movimentam o frenesi do consumo. O consumo. Parece que tudo é feito para consumir nessa época. Mas eu não compro nenhum sonho de natal. Pelo contrário. Minha paciência anda curta e minha ansiedade eu embrulho para presente. Quero fugir dessa multidão.
Aperto o passo rumo à última estação de metrô da Paulista. Gosto de sentir o cheiro dessa tarde de verão que se põe, juntamente com o sol, atrás dos prédios. São Paulo nessa hora parece até sorrir, ainda que um sorriso tímido que logo se põem, também, atrás dos prédios.
As luzes do dia dão então lugar às pequenas luzes que iluminam a avenida. Pais passeiam com seus filhos diante das alegorias. Eu me irrito com tanta multidão.
Na esperança de que o outro lado da rua esteja mais vazio, espero o sinal abrir, mas não atravesso. Eu simplesmente paro, hipnotizada, diante das luzes que iluminam o Parque Trianon.
Fecho então os olhos, para ter certeza de que guardo na minha memória aquela imagem que me encanta. E escuto então a sua voz familiar.
- Guita, venha ver! Eu consegui acender a árvore do jardim!
Quando corro na agilidade dos meus sete anos para a frente da casa, sorrio diante da surpresa que ficou dias sendo confeccionada no quarto dos fundos. A árvore de luzes, feita com lâmpadas coloridas. Sorriamos satisfeitos, eu e meu avô.
Quando abro os olhos novamente, sinto minhas pálpebras cheias, a ponto de fazer a visão turvar. Uma, duas, três. As lágrimas não demoram a deixar o meu rosto mais fresco do que a noite.
Ainda não atravesso. Quero ficar mais alguns minutos olhando, esperando a mágica passar. Ainda não atravesso, quero vasculhar a outra metade da minha memória, a fim de que outras lembranças boas, fiquem assim, de repente nítidas. Ainda não atravesso, fico do outro lado da rua, de mãos dadas com a saudade.
Mas não consigo. Nenhuma lembrança me presenteia com a mesma nitidez.
Olho então para as luzes e desejo não perder nunca o natal que ele me deixou. Olho para as luzes e agradeço por iluminarem essa distância que nos fez e nos faz sempre, próximos.
sexta-feira, dezembro 25, 2009
segunda-feira, novembro 30, 2009
Aos vinte e sete...
Aos vinte e sete anos eu seguro a vida nos dentes, rangendo-os com força para que meus sonhos não escapem. Não quero deixá-los amadurecendo na lógica mecânica, onde se listam as tarefas, onde se vencem as contas, onde se consomem as horas. Não quero me deixar consumida pelo tempo que não controlo. Apenas vivo de um jeito tão intenso que nem mesmo caibo em mim. Preciso da inconstância do mundo. Me apaixono por ela todos os dias.
Mas aos vinte e sete anos, não me jogo mais em abismos. Chego até a medir as paredes para compreender a profundidade. O resto é prática. Exercício incômodo daquilo que já sei lidar... por isso, admiro mais as surpresas.
Aos vinte e sete me restam as madrugadas para viver o que é incerto. Gosto de me resgatar nesses momentos, em que lamento pelo dia ser terrivelmente finito.
Aos vinte e sete divido meus bons vinhos, com meus bons amigos. E boas conversas com algumas cervejas. Acho que o melhor da vida esta mesmo nesses momentos.
Aos vinte e sete anos eu seguro a vida nos dentes. Acho que é assim que tem que ser. Eu vivo de incertezas certas.
Mas aos vinte e sete anos, não me jogo mais em abismos. Chego até a medir as paredes para compreender a profundidade. O resto é prática. Exercício incômodo daquilo que já sei lidar... por isso, admiro mais as surpresas.
Aos vinte e sete me restam as madrugadas para viver o que é incerto. Gosto de me resgatar nesses momentos, em que lamento pelo dia ser terrivelmente finito.
Aos vinte e sete divido meus bons vinhos, com meus bons amigos. E boas conversas com algumas cervejas. Acho que o melhor da vida esta mesmo nesses momentos.
Aos vinte e sete anos eu seguro a vida nos dentes. Acho que é assim que tem que ser. Eu vivo de incertezas certas.
domingo, novembro 22, 2009
Outro lugar
(“Eu, às vezes fico a pensar/Em outra vida ou lugar/ Estou cansado demais/ Eu não tenho tempo de ter/ Nem tempo livre de ser/ De nada ter que fazer/ É quando eu me encontro perdido nas coisas que eu criei/ E eu não sei/ Eu não vejo além da fumaça/ O amor e as coisas livres, coloridas/ Nada poluídas/ Eu acordo pra trabalhar/ Eu durmo pra trabalhar/ Eu corro pra trabalhar” - Capitão da Indústria – Os Paralamas do Sucesso)
Pela janela do avião eu observava as asas rasgarem o céu com violência, chegando quase a tocar os prédios. Os prédios. São tantos que chego a pensar que brotam sem razão, por alguma estranha epidemia. São Paulo é uma cidade doente. Doente de ansiedade. Por isso precisa antecipar o chão. Por isso precisa ter um céu tão apertado.
Mas eu queria espaço. Espaço para voar. Voar em um céu, que fosse ao menos de verdade.
Então, enquanto as asas do avião rasgavam o céu com violência, na mesma violência eu sentia rasgar em mim uma vontade estrangeira de não querer mais voltar. Meus sonhos com a cidade que tanto me deu sonhos, agora se transformavam em ilusão. Estáticos, alguns desses sonhos adormeciam em seu trânsito paralisado. Outros, agora doentes, enlouqueciam na irracionalidade dos meus dias cinzas. São Paulo não me cabia mais, apesar de sua imensidão compactada.
Mas eu amei essa cidade. Um dia cheguei a me casar com ela. E com vontade de resgatar a paixão dos primeiros dias, caminhei pela Avenida Paulista, na ânsia de sentir aquele familiar impulso. Impulso de sonhar com a cidade grande. Impulso de me encantar com as suas possibilidades. Mas não senti nada. Exceto a apatia de quem não distingue mais o luxo do lixo e tudo se mistura. Sem razão. Sem sentido. Caminhei horas sem sentido. Feliz porque a Avenida Paulista é apenas uma reta. Então eu podia seguir em linha reta, quando eu já era apenas curvas. Tortas. Ridiculamente tortas. Estupidamente tortas.
São Paulo é uma cidade estúpida. Como o flanelinha que te cobra 10 reais para “olhar” seu carro. São Paulo é uma cidade grosseira, como a buzina que estoura lancinante pelos míseros 4 segundos que você parou diante de um sinal verde. São Paulo é uma cidade feia como as mulheres esquálidas e plastificadas que transitam pelo Jardins.
São Paulo é uma ilusão e isso tudo não me cabia mais.
E naquela noite eu dormi triste e com as janelas abertas, olhando as luzes insones, esperando encontrar um outro lugar.
Naquela noite eu me senti como quem dorme com um homem que não se ama mais.
Pela janela do avião eu observava as asas rasgarem o céu com violência, chegando quase a tocar os prédios. Os prédios. São tantos que chego a pensar que brotam sem razão, por alguma estranha epidemia. São Paulo é uma cidade doente. Doente de ansiedade. Por isso precisa antecipar o chão. Por isso precisa ter um céu tão apertado.
Mas eu queria espaço. Espaço para voar. Voar em um céu, que fosse ao menos de verdade.
Então, enquanto as asas do avião rasgavam o céu com violência, na mesma violência eu sentia rasgar em mim uma vontade estrangeira de não querer mais voltar. Meus sonhos com a cidade que tanto me deu sonhos, agora se transformavam em ilusão. Estáticos, alguns desses sonhos adormeciam em seu trânsito paralisado. Outros, agora doentes, enlouqueciam na irracionalidade dos meus dias cinzas. São Paulo não me cabia mais, apesar de sua imensidão compactada.
Mas eu amei essa cidade. Um dia cheguei a me casar com ela. E com vontade de resgatar a paixão dos primeiros dias, caminhei pela Avenida Paulista, na ânsia de sentir aquele familiar impulso. Impulso de sonhar com a cidade grande. Impulso de me encantar com as suas possibilidades. Mas não senti nada. Exceto a apatia de quem não distingue mais o luxo do lixo e tudo se mistura. Sem razão. Sem sentido. Caminhei horas sem sentido. Feliz porque a Avenida Paulista é apenas uma reta. Então eu podia seguir em linha reta, quando eu já era apenas curvas. Tortas. Ridiculamente tortas. Estupidamente tortas.
São Paulo é uma cidade estúpida. Como o flanelinha que te cobra 10 reais para “olhar” seu carro. São Paulo é uma cidade grosseira, como a buzina que estoura lancinante pelos míseros 4 segundos que você parou diante de um sinal verde. São Paulo é uma cidade feia como as mulheres esquálidas e plastificadas que transitam pelo Jardins.
São Paulo é uma ilusão e isso tudo não me cabia mais.
E naquela noite eu dormi triste e com as janelas abertas, olhando as luzes insones, esperando encontrar um outro lugar.
Naquela noite eu me senti como quem dorme com um homem que não se ama mais.
segunda-feira, outubro 12, 2009
Sr. Geraldo - O vibrador
Quando ele se aproximou, meu nariz estava fixo em algum capítulo do livro que havia escolhido para as minhas férias. Por isso não lhe dei muita atenção. No entanto, tão logo ele se sentou, retirou dos bolsos um aparelho de MP3, que automaticamente me fez desviar o olhar.
Tratava-se de um simpático senhor, de aproximadamente setenta e poucos anos, com os cabelos bem brancos e um olhar azul bem profundo. Vestia um colete de fotógrafo, uma mochila com uma pequena garrafa de água e ao perceber que meu olhar se desviou de curiosidade, me lançou logo um sorriso largo:
- Você é de São Paulo mesmo?
Era a primeira vez em que viajava completamente sozinha e minha prudência me recomendava não falar com estranhos. Mas se tratando de um velhinho portando um MP3 e me sorrindo de modo tão simpático, não julguei que corria qualquer perigo. Respondi-lhe então fechando o meu livro:
- Nasci no interior, mas estou aqui há oito anos.
A minha travessão não dava início apenas a uma resposta, mas principalmente, começava uma longa conversa que se prolongaria por mais de oito horas, até a chegada ao meu destino.
Sr. Geraldo, como se chamava, era uma espécie de Forrest Gump do ônibus. Um incrível contador de histórias.
Ao longo da viagem, me contou praticamente sua vida inteira que hoje se resumia a uma espécie de revezamento de avós, que realizava junto da esposa, para auxiliar a filha que tinha lhe dado mais um neto.
Professor, advogado, ex-militante do movimento estudantil, machucado com o Brasil atual, idealista além da idade, Sr. Geraldo era uma figura e tanto. Um livro aberto e vivo, que fazia do meu livro escolhido para a viagem, apenas um apoio para as mãos.
- O Senhor parece mesmo gostar de dar aulas.
- Eu? Não. Eu odeio...
- Jura? Mas como assim?
- Sim, odeio... Nas escolas falta estrutura, os alunos são bem mal educados e pouco dedicados, é muito difícil ensinar.
- Então porque você insiste?
- Ahhh... Porque eu sou um vibrador!
Ao me dizer aquela frase, sem dar qualquer conotação pejorativa à palavra “vibrador”, o Senhor Geraldo me provocou uma enorme gargalhada.
- Mas o que é um vibrador? – Eu perguntei.
- Vibrador, Helga, é alguém que vibra com a vida. Eu sou assim... Vibro com a vida.
Senhor Geraldo desceu na rodoviária de Itabirito- Minas Gerais, deixando no meu dicionário um novo significado para a palavra “vibrador”.
Meses depois, quando escutava o discurso do meu chefe fomentando a minha demissão, poucas palavras faziam sentido. Até porque discursos desse tipo se resumem a uma única frase “vou foder sua vida, mas vai ser melhor para você”. Por isso nunca entendo a necessidade de demissões serem tão detalhadas, infestadas de meias-verdades, inundadas de tantas palavras.
Tantas palavras que sequer eu ouvia. A cara do meu chefe impassível era apenas mais um detalhe diante do abismo. Pensava como nunca em Seu Geraldo. Pensava o quão necessário era ter sua nova palavra, naquele momento, no meu curto e limitado dicionário.
Tratava-se de um simpático senhor, de aproximadamente setenta e poucos anos, com os cabelos bem brancos e um olhar azul bem profundo. Vestia um colete de fotógrafo, uma mochila com uma pequena garrafa de água e ao perceber que meu olhar se desviou de curiosidade, me lançou logo um sorriso largo:
- Você é de São Paulo mesmo?
Era a primeira vez em que viajava completamente sozinha e minha prudência me recomendava não falar com estranhos. Mas se tratando de um velhinho portando um MP3 e me sorrindo de modo tão simpático, não julguei que corria qualquer perigo. Respondi-lhe então fechando o meu livro:
- Nasci no interior, mas estou aqui há oito anos.
A minha travessão não dava início apenas a uma resposta, mas principalmente, começava uma longa conversa que se prolongaria por mais de oito horas, até a chegada ao meu destino.
Sr. Geraldo, como se chamava, era uma espécie de Forrest Gump do ônibus. Um incrível contador de histórias.
Ao longo da viagem, me contou praticamente sua vida inteira que hoje se resumia a uma espécie de revezamento de avós, que realizava junto da esposa, para auxiliar a filha que tinha lhe dado mais um neto.
Professor, advogado, ex-militante do movimento estudantil, machucado com o Brasil atual, idealista além da idade, Sr. Geraldo era uma figura e tanto. Um livro aberto e vivo, que fazia do meu livro escolhido para a viagem, apenas um apoio para as mãos.
- O Senhor parece mesmo gostar de dar aulas.
- Eu? Não. Eu odeio...
- Jura? Mas como assim?
- Sim, odeio... Nas escolas falta estrutura, os alunos são bem mal educados e pouco dedicados, é muito difícil ensinar.
- Então porque você insiste?
- Ahhh... Porque eu sou um vibrador!
Ao me dizer aquela frase, sem dar qualquer conotação pejorativa à palavra “vibrador”, o Senhor Geraldo me provocou uma enorme gargalhada.
- Mas o que é um vibrador? – Eu perguntei.
- Vibrador, Helga, é alguém que vibra com a vida. Eu sou assim... Vibro com a vida.
Senhor Geraldo desceu na rodoviária de Itabirito- Minas Gerais, deixando no meu dicionário um novo significado para a palavra “vibrador”.
Meses depois, quando escutava o discurso do meu chefe fomentando a minha demissão, poucas palavras faziam sentido. Até porque discursos desse tipo se resumem a uma única frase “vou foder sua vida, mas vai ser melhor para você”. Por isso nunca entendo a necessidade de demissões serem tão detalhadas, infestadas de meias-verdades, inundadas de tantas palavras.
Tantas palavras que sequer eu ouvia. A cara do meu chefe impassível era apenas mais um detalhe diante do abismo. Pensava como nunca em Seu Geraldo. Pensava o quão necessário era ter sua nova palavra, naquele momento, no meu curto e limitado dicionário.
quinta-feira, setembro 10, 2009
Profissão não é trabalho
(“Welcome to the cruel world. Hope you find your way. Welcome to the cruel world. Hope you find your way. Oh,oh, it’s a cruel world. Try to enjoy your stay. Yes, it is a cruel world when you’re tryin’ to get by. Oh, oh it’s a cruel world when you’re tryin’, when you’ve seen the look in their eye. Makes life hard living, but I’m so, so scared to die”. - Ben Harper – Welcome to the cruel world)
Profissão é talento, trabalho é esforço. Profissão é não ver o tempo passar, trabalho é cartão de ponto. Profissão é remuneração, trabalho é salário. Profissão é cerveja depois do expediente, trabalho é um baseado. Profissão é aprendiz, trabalho é subordinado. Profissão é cabeça acelerada, trabalho é bunda sentada. Profissão é financiamento, trabalho é conta embaixo da porta. Profissão é vontade, trabalho é pró-atividade. Profissão é costume, trabalho é rotina. Profissão é fé, trabalho é crença. Profissão é calça jeans, trabalho é salto. Profissão é bateria, trabalho é pilha. Profissão é energia, trabalho é força. Profissão é para o resto da vida, trabalho é para aposentar. Profissão é ofício, trabalho é tarefa. Profissão é cansaço, trabalho é estresse. Profissão é desafio, trabalho é dificuldade. Profissão é café para distrair, trabalho é café para acordar. Profissão é dedicação, trabalho é ralação. Profissão é dor, trabalho é sofrimento. Profissão é chega, trabalho é foda-se. Profissão é necessidade de espírito, trabalho é necessidade de sobrevivência.
Necessidade é dizer que nada mais adulto do que ver sua profissão se transformar em trabalho.
Necessidade é dizer que nada mais adulto do que ver sua profissão se transformar em trabalho.
sábado, agosto 29, 2009
Curtas
("A vida é doce. Depressa demais." - Lobão)
Eu achei que o amor crescia entre os pequenos espaços cobertos por intimidade.
Não.
O amor só cresce no limbo da paciência.
Eu achei que o amor crescia entre os pequenos espaços cobertos por intimidade.
Não.
O amor só cresce no limbo da paciência.
quinta-feira, julho 30, 2009
Zagueiros
(Mas para ser um bom zagueiro Não pode ser muito sentimental Tem que ser sutil e elegante Ter sangue frio Acreditar em si E ser leal - "Zagueiro" Jorge Ben)
Zagueiro é assim: pura defesa. Segue carregando o time nas costas, jogando na espreita, sempre pensando na melhor forma de driblar o adversário. Joga com a fidelidade de um cão de guarda, fazendo nos bastidores a sua rotina.
Zagueiro é aquele que toca a bola, que constrói a estratégia num olhar ligeiro sobre o campo e depois some, antes que os holofotes se virem para o gol. Zagueiro é aquele que muitas vezes entrega os louros, para que o gol seja marcado. Zagueiro é aquele a quem se culpa quando o time perdeu.
Zagueiro é aquele que ama a bola no pé e não o grito da torcida. Zagueiro é rotina e futebol cru.
Mas há momentos, simples momentos em que o ataque falha. A sede do atacante pelo gol é tanta, que ele mesmo se atropela e cai. Há momentos, geralmente quando o ataque se torna mais relevante do que o time, em que o caminho do sucesso é também o caminho do fracasso.
E nesse momento em que o atacante cai, penalizado pelo juiz da ganância. Nesse momento em que o técnico levanta do banco em desespero. Nesse momento em que a torcida se aquieta. Nesse momento em que o time adversário sorri. É exatamente nesse momento, nesse mágico momento, em que o zagueiro tem duas opções: pode ser fiel a defesa ou arriscar e partir para o gol.
Sua traição pode desfalcar o time. Sua traição pode lhe custar sua posição. Sua traição pode significar o seu fracasso.
Mas com a bola no pé, o atacante caído e o placar zerado, o Zagueiro tem tudo e ao mesmo tempo nada a perder. Por isso ele corre. Por isso ele dribla. Por isso, ele segue para o gol como quem tem sua chance de ouro. Por isso ele conduz a bola com paixão.
E porque a vida é também irônica, nesses momentos de fúria e apreensão, o goleiro adversário se desconcerta e falha. E finalmente a bola se choca com a rede. É gol. De placa.
O Zagueiro então levanta a camisa e abre os braços para a torcida. O atacante, ofendido, se zanga. O técnico o repreende com um sorriso.
E enquanto a torcida vibra, o zagueiro chora a sina de quem depende da sorte para mostrar aquilo que pode ser. E brilha. Mais do que qualquer holofote.
O gol da zaga é sempre de fúria. É sempre de risco. E por isso eternamente dolorido.
Às vezes acho que nasci assim, com a mesma sina de muitas outras pessoas: a sina de ser zagueiro.
E quanto mais a vida me massacrar, pela irresponsabilidade de lutar pelo gol, quando devo ser defesa, mas as minhas pernas se fortalecem.
E sem ter medo, eu vou sempre sair da zaga e correr para o gol.
Zagueiro é assim: pura defesa. Segue carregando o time nas costas, jogando na espreita, sempre pensando na melhor forma de driblar o adversário. Joga com a fidelidade de um cão de guarda, fazendo nos bastidores a sua rotina.
Zagueiro é aquele que toca a bola, que constrói a estratégia num olhar ligeiro sobre o campo e depois some, antes que os holofotes se virem para o gol. Zagueiro é aquele que muitas vezes entrega os louros, para que o gol seja marcado. Zagueiro é aquele a quem se culpa quando o time perdeu.
Zagueiro é aquele que ama a bola no pé e não o grito da torcida. Zagueiro é rotina e futebol cru.
Mas há momentos, simples momentos em que o ataque falha. A sede do atacante pelo gol é tanta, que ele mesmo se atropela e cai. Há momentos, geralmente quando o ataque se torna mais relevante do que o time, em que o caminho do sucesso é também o caminho do fracasso.
E nesse momento em que o atacante cai, penalizado pelo juiz da ganância. Nesse momento em que o técnico levanta do banco em desespero. Nesse momento em que a torcida se aquieta. Nesse momento em que o time adversário sorri. É exatamente nesse momento, nesse mágico momento, em que o zagueiro tem duas opções: pode ser fiel a defesa ou arriscar e partir para o gol.
Sua traição pode desfalcar o time. Sua traição pode lhe custar sua posição. Sua traição pode significar o seu fracasso.
Mas com a bola no pé, o atacante caído e o placar zerado, o Zagueiro tem tudo e ao mesmo tempo nada a perder. Por isso ele corre. Por isso ele dribla. Por isso, ele segue para o gol como quem tem sua chance de ouro. Por isso ele conduz a bola com paixão.
E porque a vida é também irônica, nesses momentos de fúria e apreensão, o goleiro adversário se desconcerta e falha. E finalmente a bola se choca com a rede. É gol. De placa.
O Zagueiro então levanta a camisa e abre os braços para a torcida. O atacante, ofendido, se zanga. O técnico o repreende com um sorriso.
E enquanto a torcida vibra, o zagueiro chora a sina de quem depende da sorte para mostrar aquilo que pode ser. E brilha. Mais do que qualquer holofote.
O gol da zaga é sempre de fúria. É sempre de risco. E por isso eternamente dolorido.
Às vezes acho que nasci assim, com a mesma sina de muitas outras pessoas: a sina de ser zagueiro.
E quanto mais a vida me massacrar, pela irresponsabilidade de lutar pelo gol, quando devo ser defesa, mas as minhas pernas se fortalecem.
E sem ter medo, eu vou sempre sair da zaga e correr para o gol.
terça-feira, julho 21, 2009
Andar por entre as pedras
Paraty é uma cidade incrível. Proporciona experiências maravilhosas na medida em que desafia o nosso senso plano de entender o mundo.
As ruas do centro histórico são todas formadas por enormes pedaços de pedra, que tornam qualquer passeio uma aventura sobre a irregularidade. Como as pedras são naturalmente escorregadias, até o mais distraído dos instintos é convocado ao passeio, de modo que é impossivel caminhar sem que se olhe para o chão. Nos dias de chuva, a atenção é redobrada a ponto de não conseguir se pensar em mais nada.
Um dia fiquei horas caminhando pelo centro histórico e percebi que meu cérebro se ocupava tanto em coordenar os passos, que não era possível pensar em mais nada.
Acho que fiquei absolutamente viciada nessa sensação. De não pensar em nada. E todos os dias, eu caminhava por pelo menos uma hora me esquecendo do trabalho, das contas que venceriam, dos sons do despertador, dos amores que não vivi.
Diante das irregularidades dos passos, eu me esquecia da irregularidade da vida. E tudo parecia extremamente leve.
As ruas do centro histórico são todas formadas por enormes pedaços de pedra, que tornam qualquer passeio uma aventura sobre a irregularidade. Como as pedras são naturalmente escorregadias, até o mais distraído dos instintos é convocado ao passeio, de modo que é impossivel caminhar sem que se olhe para o chão. Nos dias de chuva, a atenção é redobrada a ponto de não conseguir se pensar em mais nada.
Um dia fiquei horas caminhando pelo centro histórico e percebi que meu cérebro se ocupava tanto em coordenar os passos, que não era possível pensar em mais nada.
Acho que fiquei absolutamente viciada nessa sensação. De não pensar em nada. E todos os dias, eu caminhava por pelo menos uma hora me esquecendo do trabalho, das contas que venceriam, dos sons do despertador, dos amores que não vivi.
Diante das irregularidades dos passos, eu me esquecia da irregularidade da vida. E tudo parecia extremamente leve.
segunda-feira, julho 20, 2009
Mathias
Odeio hippies. Por uma razão muito óbvia: eles consomem a nossa carência de liberdade. E isso me irrita. Profundamente.
É um clichê de férias: você com cara de turista, ele com uma bandeja de brincos de arame. Você fazendo de tudo para se sentir de férias. Ele rindo da sua cara como se vivesse eternamente de férias.
Então ele se aproxima, conta histórias fascinantes de quem já rodou o mundo, enquanto você sabe que morria na frente de um computador. Você se comove e leva os brincos. Para se sentir mais liberta e depois abandoná-los em algum lugar da mala.
Até que um dia, quando você estiver muito puta com a lei da mais valia, vai se lembrar do sujeito, vai se lembrar das tais histórias e vai se perguntar se felicidade não é aquilo que se vende junto dos cocos da praia ou nas bandejas de brincos de arame.
Quanta vida é desperdiçada enquanto o trabalho nos consome?
Odeio hippies. Eles são um calo na minha excitação em relação ao mundo corporativo.
Mas obviamente sem saber disso, Mathias se aproximou. Trazendo sua bandeja de brincos de arame, ele vestia um chapéu que me lembrava um duende e possuía olhos espetaculares, azuis e bem firmes. Tentei desviar a atenção, mas ele foi mais insistente. Conseguiu que eu desse um sorriso para que então ele se aproximasse.
- Você enxerga bem? – Ele me perguntou isso com um sotaque bem carregado.
- De onde você é? – retruquei.
- Sou alemão. Mas não gosto disso. Estou no mundo há muito tempo.
- Jura? O que você está fazendo aqui?
- Fugi da Alemanha. Você enxerga bem?
- Como você chama?
- Mathias.
- Você não sente saudades da Alemanha? Eu adoraria morar lá.
Ele permaneceu em silêncio.
Percebi por uma razão estranha que aquela reação ríspida era fruto de alguma ferida, da qual Mathias preferia silenciar. Enquanto eu o bombardeava com perguntas que respingavam meu ódio pelos hippies, ele pegou um pedaço de arame e um alicate bem fino.
- Você enxerga bem?
- Não sou míope.
- Então toma.
Enquanto se esquivava de minhas perguntas, Mathias confeccionava com muita habilidade um objeto de arame. Tratava-se de um óculos em miniatura, para ser pendurado na ponta do nariz.
- Vou continuar sem enxergar nada com esses óculos tão pequenos. – Eu disse.
- Se não souber ver o que é pequeno, não vai saber o que é beleza.
- Você me deu esses óculos para ver seus brincos, certo?
Mathias riu.
- Não. Te dei esses óculos para você ver o mundo. Os brincos eu só queria te mostrar.
- Desculpa, estou sem dinheiro.
- Tudo bem. Obrigado. A gente se encontra.
Mathias partiu. E eu permaneci com os pequenos óculos na ponta do nariz. Odiando os hippies.
Hippies sabem que toda liberdade tem um preço. Mas a beleza não.
Desperdiçamos muita vida na frente dos computadores nos esquecendo disso.
É um clichê de férias: você com cara de turista, ele com uma bandeja de brincos de arame. Você fazendo de tudo para se sentir de férias. Ele rindo da sua cara como se vivesse eternamente de férias.
Então ele se aproxima, conta histórias fascinantes de quem já rodou o mundo, enquanto você sabe que morria na frente de um computador. Você se comove e leva os brincos. Para se sentir mais liberta e depois abandoná-los em algum lugar da mala.
Até que um dia, quando você estiver muito puta com a lei da mais valia, vai se lembrar do sujeito, vai se lembrar das tais histórias e vai se perguntar se felicidade não é aquilo que se vende junto dos cocos da praia ou nas bandejas de brincos de arame.
Quanta vida é desperdiçada enquanto o trabalho nos consome?
Odeio hippies. Eles são um calo na minha excitação em relação ao mundo corporativo.
Mas obviamente sem saber disso, Mathias se aproximou. Trazendo sua bandeja de brincos de arame, ele vestia um chapéu que me lembrava um duende e possuía olhos espetaculares, azuis e bem firmes. Tentei desviar a atenção, mas ele foi mais insistente. Conseguiu que eu desse um sorriso para que então ele se aproximasse.
- Você enxerga bem? – Ele me perguntou isso com um sotaque bem carregado.
- De onde você é? – retruquei.
- Sou alemão. Mas não gosto disso. Estou no mundo há muito tempo.
- Jura? O que você está fazendo aqui?
- Fugi da Alemanha. Você enxerga bem?
- Como você chama?
- Mathias.
- Você não sente saudades da Alemanha? Eu adoraria morar lá.
Ele permaneceu em silêncio.
Percebi por uma razão estranha que aquela reação ríspida era fruto de alguma ferida, da qual Mathias preferia silenciar. Enquanto eu o bombardeava com perguntas que respingavam meu ódio pelos hippies, ele pegou um pedaço de arame e um alicate bem fino.
- Você enxerga bem?
- Não sou míope.
- Então toma.
Enquanto se esquivava de minhas perguntas, Mathias confeccionava com muita habilidade um objeto de arame. Tratava-se de um óculos em miniatura, para ser pendurado na ponta do nariz.
- Vou continuar sem enxergar nada com esses óculos tão pequenos. – Eu disse.
- Se não souber ver o que é pequeno, não vai saber o que é beleza.
- Você me deu esses óculos para ver seus brincos, certo?
Mathias riu.
- Não. Te dei esses óculos para você ver o mundo. Os brincos eu só queria te mostrar.
- Desculpa, estou sem dinheiro.
- Tudo bem. Obrigado. A gente se encontra.
Mathias partiu. E eu permaneci com os pequenos óculos na ponta do nariz. Odiando os hippies.
Hippies sabem que toda liberdade tem um preço. Mas a beleza não.
Desperdiçamos muita vida na frente dos computadores nos esquecendo disso.
domingo, julho 19, 2009
Sabedoria de mãe
Mães falam. Exaustivamente. Como se a nossa cabeça tivesse uma capacidade infinita de absorver fatos, conselhos, regras e até nome de pessoas que nunca conhecemos. E não apenas falam, como também repetem tudo aquilo que dizem. Exaustivamente. Mães eternamente desafiam a nossa capacidade de gravar informações. A minha mãe não é diferente.
De modo que às vezes, em nossas conversas, meu cérebro permanece em ponto morto, apenas observando o som das palavras, como se elas dançassem até atingir os tímpanos. Não é maldade. É que nesses momentos minha atenção amolece e vai longe, até que uma frase mais brusca venha me resgatar.
Mas longe de casa, percebemos porque as mães falam e repetem tanto as coisas. É uma pena que o mundo não obedeça à lógica maravilhosa das mães. Mas nas razões das sem razões, que devem morar no cordão umbilical dos fatos, as mães sabem o que dizem. E, cedo ou tarde, você vai se lembrar disso.
A minha mãe, por exemplo, sempre me alerta quanto ao fato de consumir determinados tipos de alimentos longe de casa ou em lugares pouco seguros. No entanto, como eu já comi em muitos lugares estranhos nessa vida, quando vi aquela lasanha de palmito com camarão repousar fumegante sobre a mesa, eu, obviamente, não lembrei da minha mãe. Pudera, com o estômago apertado e a boca salivando, eu só conseguia imaginar o trajeto mais rápido para aquela iguaria atingisse o meu prato. E, conseqüentemente, o meu estômago. Comi como uma rainha.
E rainha que é rainha, é coroada, obviamente: no trono. Trono que permaneci praticamente a madrugada toda, suando frio e tendo arrepios os quais é melhor não descrever para não lembrar. Um verdadeiro episódio de terror.
Não é a toa que as mães falam tanto.
Me lembrei disso, depois revisitar aquela frase, sempre repetida, com palavras que se amontoam no meu cérebro quando ela fala: “não se come palmito e camarão em qualquer lugar”.
De modo que às vezes, em nossas conversas, meu cérebro permanece em ponto morto, apenas observando o som das palavras, como se elas dançassem até atingir os tímpanos. Não é maldade. É que nesses momentos minha atenção amolece e vai longe, até que uma frase mais brusca venha me resgatar.
Mas longe de casa, percebemos porque as mães falam e repetem tanto as coisas. É uma pena que o mundo não obedeça à lógica maravilhosa das mães. Mas nas razões das sem razões, que devem morar no cordão umbilical dos fatos, as mães sabem o que dizem. E, cedo ou tarde, você vai se lembrar disso.
A minha mãe, por exemplo, sempre me alerta quanto ao fato de consumir determinados tipos de alimentos longe de casa ou em lugares pouco seguros. No entanto, como eu já comi em muitos lugares estranhos nessa vida, quando vi aquela lasanha de palmito com camarão repousar fumegante sobre a mesa, eu, obviamente, não lembrei da minha mãe. Pudera, com o estômago apertado e a boca salivando, eu só conseguia imaginar o trajeto mais rápido para aquela iguaria atingisse o meu prato. E, conseqüentemente, o meu estômago. Comi como uma rainha.
E rainha que é rainha, é coroada, obviamente: no trono. Trono que permaneci praticamente a madrugada toda, suando frio e tendo arrepios os quais é melhor não descrever para não lembrar. Um verdadeiro episódio de terror.
Não é a toa que as mães falam tanto.
Me lembrei disso, depois revisitar aquela frase, sempre repetida, com palavras que se amontoam no meu cérebro quando ela fala: “não se come palmito e camarão em qualquer lugar”.
quinta-feira, julho 16, 2009
Viagem ao centro de mim
"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”. (Amyr Klink – Mar sem fim).
Tenho uma mania besta de dobrar as orelhas das páginas favoritas dos livros que leio, antes de devolvê-los à minha estante. Deixar meus livros ali marcados é meu jeito de não abandoná-los sobre o pó. Uma espécie de instinto maternal sobre a literatura que consumo e cativo.
Em alguns momentos, instintivamente e quase como um ato de fé, eu sigo até a estante e busco algumas das minhas orelhas. Confesso até que tenho as minhas favoritas e sinto um prazer indescritível em poder voltar a elas para ler novamente. É como congelar um sentimento em um momento. Uma espécie de fotografia sem imagem.
Logo depois de arrumar as malas, segui até a estante. Abri orelha feita na página 77 do livro “Mar sem fim” do Amyr Klink. Li Amyr quando tinha uns quatorze anos. Ou melhor, devorei o livro. Voltar a essa orelha sem dúvida me traz lembranças frescas do que àquela época eu chamava de “liberdade”. Foi um livro que me marcou muito.
Abri o livro na página da orelha, li e depois fechei a mala, certificando-me de que meu diário de viagem seguia junto.
Embarcávamos eu, meu diário e a nossa arrogância acerca do mundo que imaginávamos. Por isso, iríamos lá, ver com os próprios olhos o mundo, na companhia óbvia de mim.
Como não se pode fazer orelhas sobre as experiências e pessoas que cruzam nossos caminhos, escrevi algumas dessas histórias que se seguem.
Como se através do mundo que passava pela janela do ônibus eu traçasse um caminho para dentro de mim.
Um homem precisa viajar. Eu, mais do que tudo, também precisava.
domingo, junho 21, 2009
Filosofia de boteco
(“There’s nothing you can do that can’t be done. Nothing you can sing that can’t be sung. Nothing you can say but you can learn how to play the game. It’s easy.” – All you need is love. The Beatles.)
O amor antes dos vinte e cinco anos é uma espécie de bungee jump. A melhor parte é quando se salta rumo ao desconhecido. Os medos existem, é certo, mas nada supera a vontade de fazer a adrenalina pulsar. É tanta fé e coragem, que um estranho em pouco tempo se torna o grande amor da sua vida. E os sonhos surgem durante a queda. A inocência é um terreno fértil para que cresça um romantismo, ainda que piegas. É mais fácil acreditar. É mais fácil confiar a ponto das expectativas se tornarem boas aliadas. É mais fácil se enganar. É mais fácil.
O amor depois dos vinte e cinco é um abismo. Tão logo percebemos que estamos acompanhados, ficamos olhando um para a cara do outro, para ver quem salta primeiro. Enquanto isso não ocorre, persistimos nos agarrando a certezas incertas, que se montam diante das nossas inseguranças, nossos medos e traumas. É uma luta mais árdua. Quem criar expectativas primeiro perde. É uma longa jornada de sedução, mastigada em mensagens que piscam no celular e um romantismo evasivo, que vai e vem. É mais difícil acreditar. É mais difícil confiar a ponto dos medos se tornarem fúteis aliados. É mais difícil se enganar. É mais difícil.
O que nunca muda, antes e depois dos vinte e cinco anos, é que o amor não é fácil de encontrar. Por isso, talvez, tudo se resuma a duas pequenas coisas: coragem e paciência.
Pequenas coisas, que de tão pequenas, esqueci em alguma gaveta de mim.
sábado, junho 06, 2009
Diagnóstico
(Para meus amigos da Oficina de Contos da Casa das Rosas. Escritores de verdade.)
Quando a porta do elevador se abriu, fui de encontro a uma solidão pouco habitual. No corredor escuro, não se ouviam os ganidos histéricos do cão da vizinha, nem o som abafado da televisão. Não havia cheiro de bolo. Apenas frio e silêncio.
Toquei a campainha e acompanhei seus passos se aproximarem lentos até a porta. A maçaneta girou com dificuldade e diante do vão já pude reconhecer seus olhos azuis, flamejantes, inundados de surpresa. Quando me viu, sua face automaticamente se transformou em um emaranhado de rugas que se amontoavam para dar espaço a um sorriso. Me abraçou sem muitas cerimônias.
Repetiu inúmeras vezes a alegria em me ver, enquanto por dentro, eu lamentava o trabalho, a correria e a distância que agora me fazia visita. Pediu para que eu me acomodasse na sala enquanto me traria uma surpresa. Afastei o tricô estendido no sofá, me sentei em um canto e aguardei ansiosamente enquanto ela veio trazendo consigo um enorme saco de fotografias:
- Olha só o que achei escondido no alto do armário!
Era como se me trouxesse um tesouro. Sentou-se ao meu lado e buscou os óculos pendurados no pescoço. Passeou os dedos sobre os plásticos que guardavam as fotos já amareladas e começou a contar com orgulho a história de toda a família. Cada relato era permeado de incertezas. Fui percebendo que as datas e os rostos lhe eram confusos. A única lembrança que era viva e contada com riqueza de detalhes, era a saudade de meu avô, que parecia não se perder no tempo.
Ao perceber que ela se esquecia via o diagnóstico saltar junto da sujeira que se escondia debaixo do tapete. O córtex cerebral iria murchar e aos poucos as lembranças iriam se apagando. Talvez ela perdesse o controle de si. Talvez os remédios atenuassem esse processo. Nada era preciso nas palavras do médico, exceto a evidência da minha angústia.
Eu me perguntava incessantemente se esquecer era doença ou era benção, diante de tudo o que é o tempo. Mas ela persistia ao meu lado, lutando em favor de sua memória, enquanto eu seguia corrigindo as datas, dando nome às pessoas, fazendo-lhe lembrar as palavras. Queria estar ao seu lado, brigando pela mesma guerra injusta. Mesmo sabendo que sairíamos perdendo.
Ela mesma já tinha consciência disso e ao ver que eu era cúmplice do seu esforço me confessou seu medo da morte. Eu, sem saber o que dizer, não contive as lágrimas. A morte, na verdade, pouco assustava. Temia o esquecimento, pois sabia que estávamos vivos, todos, em sua memória.
Quando a porta do elevador se abriu, fui de encontro a uma solidão pouco habitual. No corredor escuro, não se ouviam os ganidos histéricos do cão da vizinha, nem o som abafado da televisão. Não havia cheiro de bolo. Apenas frio e silêncio.
Toquei a campainha e acompanhei seus passos se aproximarem lentos até a porta. A maçaneta girou com dificuldade e diante do vão já pude reconhecer seus olhos azuis, flamejantes, inundados de surpresa. Quando me viu, sua face automaticamente se transformou em um emaranhado de rugas que se amontoavam para dar espaço a um sorriso. Me abraçou sem muitas cerimônias.
Repetiu inúmeras vezes a alegria em me ver, enquanto por dentro, eu lamentava o trabalho, a correria e a distância que agora me fazia visita. Pediu para que eu me acomodasse na sala enquanto me traria uma surpresa. Afastei o tricô estendido no sofá, me sentei em um canto e aguardei ansiosamente enquanto ela veio trazendo consigo um enorme saco de fotografias:
- Olha só o que achei escondido no alto do armário!
Era como se me trouxesse um tesouro. Sentou-se ao meu lado e buscou os óculos pendurados no pescoço. Passeou os dedos sobre os plásticos que guardavam as fotos já amareladas e começou a contar com orgulho a história de toda a família. Cada relato era permeado de incertezas. Fui percebendo que as datas e os rostos lhe eram confusos. A única lembrança que era viva e contada com riqueza de detalhes, era a saudade de meu avô, que parecia não se perder no tempo.
Ao perceber que ela se esquecia via o diagnóstico saltar junto da sujeira que se escondia debaixo do tapete. O córtex cerebral iria murchar e aos poucos as lembranças iriam se apagando. Talvez ela perdesse o controle de si. Talvez os remédios atenuassem esse processo. Nada era preciso nas palavras do médico, exceto a evidência da minha angústia.
Eu me perguntava incessantemente se esquecer era doença ou era benção, diante de tudo o que é o tempo. Mas ela persistia ao meu lado, lutando em favor de sua memória, enquanto eu seguia corrigindo as datas, dando nome às pessoas, fazendo-lhe lembrar as palavras. Queria estar ao seu lado, brigando pela mesma guerra injusta. Mesmo sabendo que sairíamos perdendo.
Ela mesma já tinha consciência disso e ao ver que eu era cúmplice do seu esforço me confessou seu medo da morte. Eu, sem saber o que dizer, não contive as lágrimas. A morte, na verdade, pouco assustava. Temia o esquecimento, pois sabia que estávamos vivos, todos, em sua memória.
domingo, maio 03, 2009
A minha cidade
(“Alguma coisa acontece no meu coração/ Que só quando cruza a Ipiranga com a Avenida São João/ É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi/ Da dura poesia concreta de suas esquinas/ Da deselegância discreta de suas meninas” Sampa - Caetano Veloso)
São 18h30. A impressão que tenho é que tudo se resume a uma dança aflitiva. Todos colaboram para compor um espetáculo de histeria em comunhão. Seguem desafrochando as gravatas, correndo para se amontoarem nas imensas filas do metrô. Fecham-se as gavetas, batem-se os pontos. Todos têm pressa. Os carros berram impacientes. Buzinas estupradas em pleno entardecer. Todos têm ânsia de se libertar desse concreto chamado trabalho. Pés que caminham com virulência contaminam as ruas.
É véspera de feriado. Do dia do trabalho. E São Paulo é contradição. Os saltos são substituídos por tênis. Todos têm uma rota de fuga, frustrada no encontro marcado com o trânsito. Querem então fugir. Para o descanso em algum lugar que haja mar, que não seja de gente. Para algum lugar onde haja estrelas e o céu seja, pelo menos, mais baixo. Pelo menos, mais justo. Todos querem possibilidades de uma vida menos mecânica, menos sem graça, feito essa que desperdiçamos em copos de plástico preenchidos com café.
São Paulo, assim, se esvazia, quando tenho a certeza de que já me enchi.
São 18h30. A impressão que tenho é que tudo se resume a uma dança coletiva. Pessoas brotam de baixo da terra para lotar a Avenida São João. A cidade vira e é Virada, por malabares suspensos no céu que despejam graça e ganham aplausos. São Paulo então se enche de música, de gente, de poesia e de vida.
Ao enveredar-me por entre os prédios velhos e as pombas, tenho a sensação de que alguma espécie de revolução aconteceu. Enfim somos todos iguais. Pagando nossos pecados sobre as mesmas músicas. Somos mendigos, bêbados e putas desafiando uma nova paisagem colorida para um lugar cuja personalidade é cinza.
Nas ruas não existem carros, só gente. Multidões que celebram uma descontração nada habitual. Caminhamos entre o lixo. Porque somos lixo. Humano. Urbano. E da sucata que vira arte, nasce então a expressão. Faz sentido. Alguma coisa acontece no meu coração.
São Paulo então me enche e me preenche, quando tenho a certeza de que me deparo com o meu próprio vazio.
Definitivamente, essa é a minha cidade.
São 18h30. A impressão que tenho é que tudo se resume a uma dança aflitiva. Todos colaboram para compor um espetáculo de histeria em comunhão. Seguem desafrochando as gravatas, correndo para se amontoarem nas imensas filas do metrô. Fecham-se as gavetas, batem-se os pontos. Todos têm pressa. Os carros berram impacientes. Buzinas estupradas em pleno entardecer. Todos têm ânsia de se libertar desse concreto chamado trabalho. Pés que caminham com virulência contaminam as ruas.
É véspera de feriado. Do dia do trabalho. E São Paulo é contradição. Os saltos são substituídos por tênis. Todos têm uma rota de fuga, frustrada no encontro marcado com o trânsito. Querem então fugir. Para o descanso em algum lugar que haja mar, que não seja de gente. Para algum lugar onde haja estrelas e o céu seja, pelo menos, mais baixo. Pelo menos, mais justo. Todos querem possibilidades de uma vida menos mecânica, menos sem graça, feito essa que desperdiçamos em copos de plástico preenchidos com café.
São Paulo, assim, se esvazia, quando tenho a certeza de que já me enchi.
São 18h30. A impressão que tenho é que tudo se resume a uma dança coletiva. Pessoas brotam de baixo da terra para lotar a Avenida São João. A cidade vira e é Virada, por malabares suspensos no céu que despejam graça e ganham aplausos. São Paulo então se enche de música, de gente, de poesia e de vida.
Ao enveredar-me por entre os prédios velhos e as pombas, tenho a sensação de que alguma espécie de revolução aconteceu. Enfim somos todos iguais. Pagando nossos pecados sobre as mesmas músicas. Somos mendigos, bêbados e putas desafiando uma nova paisagem colorida para um lugar cuja personalidade é cinza.
Nas ruas não existem carros, só gente. Multidões que celebram uma descontração nada habitual. Caminhamos entre o lixo. Porque somos lixo. Humano. Urbano. E da sucata que vira arte, nasce então a expressão. Faz sentido. Alguma coisa acontece no meu coração.
São Paulo então me enche e me preenche, quando tenho a certeza de que me deparo com o meu próprio vazio.
Definitivamente, essa é a minha cidade.
sábado, abril 11, 2009
Conversa com um homem casado
(I'm a just a little girl, who's looking for a little boy, who's looking for a girl to love - Ella Fitzgerald "Looking for a boy")
Do outro lado de um salão escuro, atrás da penumbra e da fumaça de cigarro, Ele a olhava incessantemente e com desejo. Ela, que gostava de brincar de desentendida nessas horas, desfazia-se em caras e bocas, fingindo-se entretida com a conversa de outro alguém. Cervejas. Mais cervejas. E risos. Gargalhadas...
Sem pedir licença e com a astúcia de quem sabe jogar, Ele se aproxima e pergunta:
- Sagitário?
Ela, sem entender muito e um pouco zonza por conta das cervejas, lhe responde:
- Hum?
- Sagitário. O seu signo. Não é?
- Como você sabe?
- Seu jeito. Bem charmoso...
Uma resposta a queima roupa já era o suficiente para lhe deixar desconcertada, mas sem perder a compostura, respondeu:
- Olha, não acredito em videntes... Você estava prestando atenção na conversa alheia... Que coisa mais feia!
- Não consegui tirar os olhos de você... Eu te conheço?
- Imagino que não. Mas já assisti alguns shows seus... Sou amiga do baixista. (Ele era o baterista)
- Estranho eu nunca ter te visto. Ou reparado. Você é muito linda.
-Você é muito explícito.
- Você ainda não viu nada...
Ele era absolutamente hipnotizante. Olhos verdes que despiam a alma. Barba por fazer que já deixava tudo feito. Perfeito. Jeans surrado, tênis calçado. Tinha um tempero de moleque. Tinha um perfume de homem. Se fosse um substantivo, seria masculino e singular: “tesão”. Se fosse um adjetivo, era “lindo” e ponto final.
- Não sei se quero ver.
Por óbvio aquela era uma frase solta, sem sentido e sem corresponder com a real veracidade de seu interior entorpecido por aquele sujeito.
- Posso te beijar?
- Mas assim?
- É ó...
Os lábios se aproximam. Os olhos se fecham. E a mente então, reflete um flash... Ela desvia o rosto.
- Você não quer?
- Escuta, quando você tocava na banda há um tempo, você tinha uma namoradinha... Aliás, vocês eram um casal muito bonito. Você está solteiro? O que aconteceu?
O atirador de respostas a queima roupa se mantém calado.
Meio sem jeito e absolutamente sem coragem ela pergunta:
- Não me diga que você casou?
Ele finalmente rompe o silêncio e retruca:
- O que você chama de casar?
- Morar junto.
- Então casei.
Ela não consegue esconder o descontentamento e responde com fúria:
- E que porra você está fazendo aqui?
Ele responde com tanta sinceridade, que as palavras beiram o cinismo:
- Eu acho importante beijar outras mulheres.
Atônita Ela se perguntava incessantemente que tipo de brincadeira de mau gosto era aquela.
- Olha, fui criada numa moral católica fodida. Não trabalho com homens casados.
- Você deve estar me achando um filho da puta.
- Eu não tenho cara de tribunal ou de juíza, tenho?
- Olha não me julgue...
- Também não tenho cara de psicóloga, certo?
- Eu amo a minha mulher. Só decidimos levar um relacionamento aberto...
- Hu hum...
- Eu a trato como uma rainha...
- Espero que ela goste da coroa de chifres... Eu não gostaria.
- Eu sempre me dou mal porque conto a verdade. Mas eu sei que você queria. E eu continuo te querendo. Absurdamente.
- Agressivamente...
- Me dá seu telefone? Por favor?
- Não rola.
Ela havia ficado em um extremo mau humor.
- Olha, desde que eu te vi entrar aqui estou com os olhos grudados em você. Um beijo, não pode ser tão ruim...
- Perdi a vontade, você pode voltar para sua bateria agora... - Mas porque?
- Você é lindo, ok? Absolutamente lindo. Tem cara de desejo. Barba de desejo. Jeito de desejo. Eu beijaria você facilmente. Mas hoje não, tá?
- Mas porque não?
- Porque eu preciso acreditar em algum romance. Em qualquer um. De véu e grinalda e com votos de eternidade.
Do outro lado de um salão escuro, atrás da penumbra e da fumaça de cigarro, Ele a olhava incessantemente e com desejo. Ela, que gostava de brincar de desentendida nessas horas, desfazia-se em caras e bocas, fingindo-se entretida com a conversa de outro alguém. Cervejas. Mais cervejas. E risos. Gargalhadas...
Sem pedir licença e com a astúcia de quem sabe jogar, Ele se aproxima e pergunta:
- Sagitário?
Ela, sem entender muito e um pouco zonza por conta das cervejas, lhe responde:
- Hum?
- Sagitário. O seu signo. Não é?
- Como você sabe?
- Seu jeito. Bem charmoso...
Uma resposta a queima roupa já era o suficiente para lhe deixar desconcertada, mas sem perder a compostura, respondeu:
- Olha, não acredito em videntes... Você estava prestando atenção na conversa alheia... Que coisa mais feia!
- Não consegui tirar os olhos de você... Eu te conheço?
- Imagino que não. Mas já assisti alguns shows seus... Sou amiga do baixista. (Ele era o baterista)
- Estranho eu nunca ter te visto. Ou reparado. Você é muito linda.
-Você é muito explícito.
- Você ainda não viu nada...
Ele era absolutamente hipnotizante. Olhos verdes que despiam a alma. Barba por fazer que já deixava tudo feito. Perfeito. Jeans surrado, tênis calçado. Tinha um tempero de moleque. Tinha um perfume de homem. Se fosse um substantivo, seria masculino e singular: “tesão”. Se fosse um adjetivo, era “lindo” e ponto final.
- Não sei se quero ver.
Por óbvio aquela era uma frase solta, sem sentido e sem corresponder com a real veracidade de seu interior entorpecido por aquele sujeito.
- Posso te beijar?
- Mas assim?
- É ó...
Os lábios se aproximam. Os olhos se fecham. E a mente então, reflete um flash... Ela desvia o rosto.
- Você não quer?
- Escuta, quando você tocava na banda há um tempo, você tinha uma namoradinha... Aliás, vocês eram um casal muito bonito. Você está solteiro? O que aconteceu?
O atirador de respostas a queima roupa se mantém calado.
Meio sem jeito e absolutamente sem coragem ela pergunta:
- Não me diga que você casou?
Ele finalmente rompe o silêncio e retruca:
- O que você chama de casar?
- Morar junto.
- Então casei.
Ela não consegue esconder o descontentamento e responde com fúria:
- E que porra você está fazendo aqui?
Ele responde com tanta sinceridade, que as palavras beiram o cinismo:
- Eu acho importante beijar outras mulheres.
Atônita Ela se perguntava incessantemente que tipo de brincadeira de mau gosto era aquela.
- Olha, fui criada numa moral católica fodida. Não trabalho com homens casados.
- Você deve estar me achando um filho da puta.
- Eu não tenho cara de tribunal ou de juíza, tenho?
- Olha não me julgue...
- Também não tenho cara de psicóloga, certo?
- Eu amo a minha mulher. Só decidimos levar um relacionamento aberto...
- Hu hum...
- Eu a trato como uma rainha...
- Espero que ela goste da coroa de chifres... Eu não gostaria.
- Eu sempre me dou mal porque conto a verdade. Mas eu sei que você queria. E eu continuo te querendo. Absurdamente.
- Agressivamente...
- Me dá seu telefone? Por favor?
- Não rola.
Ela havia ficado em um extremo mau humor.
- Olha, desde que eu te vi entrar aqui estou com os olhos grudados em você. Um beijo, não pode ser tão ruim...
- Perdi a vontade, você pode voltar para sua bateria agora... - Mas porque?
- Você é lindo, ok? Absolutamente lindo. Tem cara de desejo. Barba de desejo. Jeito de desejo. Eu beijaria você facilmente. Mas hoje não, tá?
- Mas porque não?
- Porque eu preciso acreditar em algum romance. Em qualquer um. De véu e grinalda e com votos de eternidade.
quarta-feira, abril 01, 2009
Sobre o fordismo
"Se ama e se tortura/ Se tritura, se atura e se cura/A dor/Na orgia/Da luz do dia/É só/O que eu pedia/Um dia pra aplacar/Minha agonia."
(Chico Buarque - Basta um dia)
O fordismo deu errado, porque não foram produzidos Chicos em série. E o mundo (na minha opinião) precisava.
(Chico Buarque - Basta um dia)
O fordismo deu errado, porque não foram produzidos Chicos em série. E o mundo (na minha opinião) precisava.
terça-feira, março 31, 2009
Frágil
Sobre a mesa, além da cerveja que descongelava, derretia uma conversa cheia de farpas e rancor. Talvez um pouco de tesão recolhido trouxesse alguma magia para os olhares que se entrelaçavam com um certo cuidado. Até que de repente, Ele desaba o escudo sobre o campo de batalha e diz:
- Sabe qual é o seu problema? O seu problema é que você assusta na mesma intensidade que apaixona. Eu olho você encantado e tenho vontade de fugir ao mesmo tempo. Porque você diz o que pensa, dirige seu próprio carro, paga suas contas, tem sua profissão. Você faz curso de mecânica e de culinária e depois ainda faz as unhas. É como se você não precisasse de ninguém, entende? É como se você não fosse frágil.
Frágil. Frágil. F-R-Á-G-I-L. Fráááááágggggiiiiiilllllllll.
Aquela palavra ecoava dentro dela com a mesma intensidade de uma grande moeda que caiu sobre um bueiro há tempos abandonado. Aquela palavra. Aquela simples palavra abriu então aspas para o seu pensamento.
“Frágil. De fato não se lembrara a última vez que havia se sentido assim. Talvez há muito tempo. Não era boa com datas. Ahhh sim... Aquele dia. Aquele dia era um bom dia para se dizer que havia sido frágil.
Contava há época com dezenove anos. Havia saído de casa há pouco e ainda era novata para dividir uma vida consigo mesma.
Um belo dia, desses dias em que a vida parece comum, recebeu uma visita pouco esperada e nada bem vinda de um inseto marrom e asqueroso que descansava imponente sobre o centro da sala. Sim, era uma barata.
Seu primeiro impulso, frágil menina que era, foi gritar desesperadamente na esperança de que uma mão máscula movesse um chinelo 43 objetivamente com o intuito de massacrar a pobre criatura. Mas os berros persistiram, a garganta secou e a situação não mudou. Berrou mais um pouco. Dessa vez por não saber o que fazer. Sentia a sua fragilidade pulsar nas cordas vocais, mas a situação permanecia a mesma e a barata ali, imóvel.
Na terceira tentativa de gritar, algo dentro de si rompeu furiosamente. Virou-se. Abriu a porta do armário. Retirou um de seus chinelos de plástico e arremessou ao encontro da criatura marrom. O tiro certeiro fez um som estranho, e sobre o chinelo atirado ao chão surgiu uma pequena gosma e junto dela uma criatura estrebuchando desesperadamente. Assistiu aquela morte incrédula. Não pela pobre barata que agora dava o seu último suspiro. Mas porque percebia dentro de si algo novo. Uma força bruta. Estranhamente nova. Incompatível com uma mulherzinha indefesa que poderia ser.
Depois da barata, então, um dia queimou a luz do banheiro. E depois o chuveiro. E depois o pneu do carro furou. E como na situação da barata, nenhuma mão máscula havia aparecido para resolver o problema.
E depois vieram outros problemas, como acordar sozinha depois de um pesadelo. Ou ter um dia difícil no trabalho e chorar para as paredes. Ou ainda ficar doente e ir até a farmácia buscar o próprio remédio. Ou chegar em casa cansada e encontrar uma geladeira vazia. Ou acabar o papel higiênico.
Não, a vida não é frágil quando é tudo de verdade. E por isso, ela havia aprendido a dirigir seu carro, para buscar seu próprio remédio. Por isso, havia arrumado seu emprego, para pagar suas contas. Por isso dedicou parte de sua vida à uma profissão e uma pequena parte de sua vida para fazer as unhas. Por isso aprendeu a falar o que pensava, para não dormir com nada para engolir. Por isso atirou o primeiro chinelo. Por medo que a fragilidade empacasse seu destino. E seguiu.
Mas muito além daquela máquina mortífera e assassina, capaz de trucidar baratas e porque não homens, haviam sonhos de papel. Papel de carta. Coisa de menina. Sonhava com alguém que lhe protegesse não das baratas, mas da fragilidade de ser naturalmente uma mulher.
Como não sabia explicar. Ou talvez transparecer. Ou talvez a vida sequer lhe permitisse isso. Permaneceu ali, catatônica, lembrando do chinelo, da barata, do que realmente era frágil e...”
Contava há época com dezenove anos. Havia saído de casa há pouco e ainda era novata para dividir uma vida consigo mesma.
Um belo dia, desses dias em que a vida parece comum, recebeu uma visita pouco esperada e nada bem vinda de um inseto marrom e asqueroso que descansava imponente sobre o centro da sala. Sim, era uma barata.
Seu primeiro impulso, frágil menina que era, foi gritar desesperadamente na esperança de que uma mão máscula movesse um chinelo 43 objetivamente com o intuito de massacrar a pobre criatura. Mas os berros persistiram, a garganta secou e a situação não mudou. Berrou mais um pouco. Dessa vez por não saber o que fazer. Sentia a sua fragilidade pulsar nas cordas vocais, mas a situação permanecia a mesma e a barata ali, imóvel.
Na terceira tentativa de gritar, algo dentro de si rompeu furiosamente. Virou-se. Abriu a porta do armário. Retirou um de seus chinelos de plástico e arremessou ao encontro da criatura marrom. O tiro certeiro fez um som estranho, e sobre o chinelo atirado ao chão surgiu uma pequena gosma e junto dela uma criatura estrebuchando desesperadamente. Assistiu aquela morte incrédula. Não pela pobre barata que agora dava o seu último suspiro. Mas porque percebia dentro de si algo novo. Uma força bruta. Estranhamente nova. Incompatível com uma mulherzinha indefesa que poderia ser.
Depois da barata, então, um dia queimou a luz do banheiro. E depois o chuveiro. E depois o pneu do carro furou. E como na situação da barata, nenhuma mão máscula havia aparecido para resolver o problema.
E depois vieram outros problemas, como acordar sozinha depois de um pesadelo. Ou ter um dia difícil no trabalho e chorar para as paredes. Ou ainda ficar doente e ir até a farmácia buscar o próprio remédio. Ou chegar em casa cansada e encontrar uma geladeira vazia. Ou acabar o papel higiênico.
Não, a vida não é frágil quando é tudo de verdade. E por isso, ela havia aprendido a dirigir seu carro, para buscar seu próprio remédio. Por isso, havia arrumado seu emprego, para pagar suas contas. Por isso dedicou parte de sua vida à uma profissão e uma pequena parte de sua vida para fazer as unhas. Por isso aprendeu a falar o que pensava, para não dormir com nada para engolir. Por isso atirou o primeiro chinelo. Por medo que a fragilidade empacasse seu destino. E seguiu.
Mas muito além daquela máquina mortífera e assassina, capaz de trucidar baratas e porque não homens, haviam sonhos de papel. Papel de carta. Coisa de menina. Sonhava com alguém que lhe protegesse não das baratas, mas da fragilidade de ser naturalmente uma mulher.
Como não sabia explicar. Ou talvez transparecer. Ou talvez a vida sequer lhe permitisse isso. Permaneceu ali, catatônica, lembrando do chinelo, da barata, do que realmente era frágil e...”
- Alô? Planeta Terra chamando... Você está ai?
- Opa! Desculpa... É que eu estava pensando...
- Pensando em que? Desculpa se eu te magoei, olha... Eu realmente me apaixonei por você e...
- Pensando que mulher é um bicho muito, mas muito burro mesmo.
-Hum?
- Sim, somos burras! A gente acha que homem tem medo de casamento e de dedo no cú. Mas nunca, nunca, nunquinha mesmo, a gente imaginou os homens iriam ignorar que ainda somos frágeis, só porque tem medo de mulher independente.
segunda-feira, março 16, 2009
Projetos em layout novo
Estou aqui olhando para tudo... Meio embasbacada sabe? Achando demais o meu template novo... Morrendo de vontade de escrever um milhão de coisas novas... Tipo criança que acabou de ganhar a bicicleta no natal e quer andar a vizinhança toda (risos).
Bom, o template é fruto do trabalho de duas pessoas incríveis: Fabio Salva e Sayuri. Meu, um milhão de obrigados para vocês!!!
Espero que os leitores tb gostem!!!
bjones
Bom, o template é fruto do trabalho de duas pessoas incríveis: Fabio Salva e Sayuri. Meu, um milhão de obrigados para vocês!!!
Espero que os leitores tb gostem!!!
bjones
quarta-feira, março 04, 2009
Cinderhelga em: "A preguiça"
Era mais um dos dias existencialíssimos da Helgolândia, em que Cinderhelga suspirava na torre mais alta de seu castelo...
Bobo: - Bom dia Cinder! Você não acha hoje está um lindo dia aqui na Helgolândia...
Cinderhelga: - Humpf!
Bobo: - Nossa, Cinderhelga, que desânimo é esse alteza?
Cinder: - Não é desânimo, Bobo, é preguiça...
Bobo: - Preguiça? Preguiça do quê?
Cinder: - Preguiça de me apaixonar de novo...
Bobo: - Hum?? Como assim??
Cinder: - É Bobo... Essa ladainha toda de beijar sapo, achar príncipe, esperar telefonema e flores, viver em busca de um final feliz, casar de véu e grinalda... Essa história de se apaixonar e botar a felicidade em alguém que vem te buscar de cavalo branco para te salvar de todas as mazelas do mundo...
Bobo: - E o que tem tudo isso? Todas as princesas fazem isso...
Cinder: - Mas isso tudo é um saco!
Bobo: - Eu te falei. Desde que você deu essas férias doidas para o Coração, você ficou muito amarga...
Cinder: - Não é amarga, Bobo! É que eu realmente ando pensando nisso tudo e cheguei à conclusão que essa sina ser princesa e buscar príncipe e beijar sapo e achar que sem príncipe você não é feliz para sempre, isso tudo é um saco!!!
Bobo: - E então porque você não tira umas férias também e passa um tempo em Solteirópolis?
Cinder: - Deus que me livre!!! Você já foi para aquele lugar?
Bobo: - Não...
Cinder: - Pois bem, é um bando de princesas desequilibradas, que ficam dando para meio mundo, como se isso fosse atestado de independência. Eu não quero que a minha vagina seja um dossiê público e muito menos que seja ela a razão da minha liberdade!
Bobo: - Então você deveria conversar mais com outras princesas...
Cinder: - Bem, a Branca de Neve está traindo seu príncipe com um anão porque acha que o seu relacionamento ficou monótono. A Bela Adormecida só dorme de tédio pois não agüenta mais o seu príncipe que depois do “final feliz” não faz mais sexo e nem jantares românticos. A Rapunzel quase se enforcou nas próprias tranças pois acha que seu príncipe prefere um jogo de futebol à ela... Resumindo, ninguém esta feliz com esse lance de ser princesa.
Bobo: - Será que isso é uma espécie de crise nos contos de fadas?
Cinder: - Eu não sei Bobo, mas eu fico tentando imaginar: “ E se não existisse príncipe?” será que ficar sozinha para sempre seria algum sinônimo de final infeliz?
Bobo: - Você não está pensando no que eu estou pensando?
Cinder: - Em comprar um cachorro?
Bobo acenou positivamente com a cabeça
Cinder: - Óbvio que não... Estou pensando se não é possível ver as coisas com um olhar diferente, sabe? De príncipe em príncipe a nossa felicidade começa a ficar muito distante e ilusória... E aí criamos um pânico da solidão. Mas é uma solidão que a gente inventa, porque acha que não dá para ser feliz para sempre se não encontrar um príncipe.
Bobo: - Mas você vê alguma solução para as princesas de todos os contos de fadas?
Cinder: - Talvez se elas começarem a se interessar por futebol...
Ambos caíram na gargalhada.
Bobo: - Cinder?
Cinder: - Diga, Bobo...
Bobo: - Posso te pedir uma coisa?
Cinder: - Pode...
Bobo: - Trás o Coração de volta para Helgolândia??
Cinder: - Porra, Bobo, fala sério?
Bobo: - Por favor... (cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança...)
Cinder: - Bobo, o Coração faz muita besteira na Helgolândia, ele sempre tira o Reino do lugar... Você sabe o quanto ele é explosivo.
Bobo: - Pelo menos para nos fazer companhia para assistir os jogos da Copa América?
Cinder – Engraçadinho! Tá, ta bom... Eu vou pensar... Princesa é foda. A gente nunca resiste a um bobo!
E partiram sem mais conclusões sobre os príncipes e os finais felizes.
Bobo: - Bom dia Cinder! Você não acha hoje está um lindo dia aqui na Helgolândia...
Cinderhelga: - Humpf!
Bobo: - Nossa, Cinderhelga, que desânimo é esse alteza?
Cinder: - Não é desânimo, Bobo, é preguiça...
Bobo: - Preguiça? Preguiça do quê?
Cinder: - Preguiça de me apaixonar de novo...
Bobo: - Hum?? Como assim??
Cinder: - É Bobo... Essa ladainha toda de beijar sapo, achar príncipe, esperar telefonema e flores, viver em busca de um final feliz, casar de véu e grinalda... Essa história de se apaixonar e botar a felicidade em alguém que vem te buscar de cavalo branco para te salvar de todas as mazelas do mundo...
Bobo: - E o que tem tudo isso? Todas as princesas fazem isso...
Cinder: - Mas isso tudo é um saco!
Bobo: - Eu te falei. Desde que você deu essas férias doidas para o Coração, você ficou muito amarga...
Cinder: - Não é amarga, Bobo! É que eu realmente ando pensando nisso tudo e cheguei à conclusão que essa sina ser princesa e buscar príncipe e beijar sapo e achar que sem príncipe você não é feliz para sempre, isso tudo é um saco!!!
Bobo: - E então porque você não tira umas férias também e passa um tempo em Solteirópolis?
Cinder: - Deus que me livre!!! Você já foi para aquele lugar?
Bobo: - Não...
Cinder: - Pois bem, é um bando de princesas desequilibradas, que ficam dando para meio mundo, como se isso fosse atestado de independência. Eu não quero que a minha vagina seja um dossiê público e muito menos que seja ela a razão da minha liberdade!
Bobo: - Então você deveria conversar mais com outras princesas...
Cinder: - Bem, a Branca de Neve está traindo seu príncipe com um anão porque acha que o seu relacionamento ficou monótono. A Bela Adormecida só dorme de tédio pois não agüenta mais o seu príncipe que depois do “final feliz” não faz mais sexo e nem jantares românticos. A Rapunzel quase se enforcou nas próprias tranças pois acha que seu príncipe prefere um jogo de futebol à ela... Resumindo, ninguém esta feliz com esse lance de ser princesa.
Bobo: - Será que isso é uma espécie de crise nos contos de fadas?
Cinder: - Eu não sei Bobo, mas eu fico tentando imaginar: “ E se não existisse príncipe?” será que ficar sozinha para sempre seria algum sinônimo de final infeliz?
Bobo: - Você não está pensando no que eu estou pensando?
Cinder: - Em comprar um cachorro?
Bobo acenou positivamente com a cabeça
Cinder: - Óbvio que não... Estou pensando se não é possível ver as coisas com um olhar diferente, sabe? De príncipe em príncipe a nossa felicidade começa a ficar muito distante e ilusória... E aí criamos um pânico da solidão. Mas é uma solidão que a gente inventa, porque acha que não dá para ser feliz para sempre se não encontrar um príncipe.
Bobo: - Mas você vê alguma solução para as princesas de todos os contos de fadas?
Cinder: - Talvez se elas começarem a se interessar por futebol...
Ambos caíram na gargalhada.
Bobo: - Cinder?
Cinder: - Diga, Bobo...
Bobo: - Posso te pedir uma coisa?
Cinder: - Pode...
Bobo: - Trás o Coração de volta para Helgolândia??
Cinder: - Porra, Bobo, fala sério?
Bobo: - Por favor... (cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança...)
Cinder: - Bobo, o Coração faz muita besteira na Helgolândia, ele sempre tira o Reino do lugar... Você sabe o quanto ele é explosivo.
Bobo: - Pelo menos para nos fazer companhia para assistir os jogos da Copa América?
Cinder – Engraçadinho! Tá, ta bom... Eu vou pensar... Princesa é foda. A gente nunca resiste a um bobo!
E partiram sem mais conclusões sobre os príncipes e os finais felizes.
domingo, fevereiro 15, 2009
Querido Sr. Freud ( a grande questão)
Quatro cervejas. Quatro cervejas e nada mais. Ela tinha mais do que o suficiente para perder a vergonha e enfim, perguntar.
- Você é gay, não é?
- Sim... – Ele respondeu despretensiosamente.
- Então me responde uma coisa?
- Claro.
- Veja bem, é uma pergunta indiscreta...
- Diga – Ele respondeu dando um sorriso, como se já estivesse habituado a perguntas indiscretas.
- Se o seu namorado brochar, o que você faz?
- Hum? – Ele a olhou com uma cara de interrogação.
- Sim, se o seu namorado brochar o que você faz? Você pode não saber, mas essa é uma das situações mais complicadas de uma mulher lidar. Você nunca sabe o que faz. Se for carinhosa, pode ser que o cara ache que você menospreza a potencia dele. Se fingir que nada aconteceu, ele pode se sentir pior. Conversar também costuma aumentar o desconforto. Bom, você e seu namorado são homens, devem saber como lidar com essa situação de uma maneira mais tranquila...
- Ah... – Ele bocejou – Sabe que isso nunca me aconteceu antes?
Então ela se perguntou – quem sabe Freud explicaria – "Porque nessas horas até os gays respondem como homens? ".
- Você é gay, não é?
- Sim... – Ele respondeu despretensiosamente.
- Então me responde uma coisa?
- Claro.
- Veja bem, é uma pergunta indiscreta...
- Diga – Ele respondeu dando um sorriso, como se já estivesse habituado a perguntas indiscretas.
- Se o seu namorado brochar, o que você faz?
- Hum? – Ele a olhou com uma cara de interrogação.
- Sim, se o seu namorado brochar o que você faz? Você pode não saber, mas essa é uma das situações mais complicadas de uma mulher lidar. Você nunca sabe o que faz. Se for carinhosa, pode ser que o cara ache que você menospreza a potencia dele. Se fingir que nada aconteceu, ele pode se sentir pior. Conversar também costuma aumentar o desconforto. Bom, você e seu namorado são homens, devem saber como lidar com essa situação de uma maneira mais tranquila...
- Ah... – Ele bocejou – Sabe que isso nunca me aconteceu antes?
Então ela se perguntou – quem sabe Freud explicaria – "Porque nessas horas até os gays respondem como homens? ".
Concluiu que os gays não são a tecla "sap" para o desentendimento entre os sexos.
sábado, fevereiro 07, 2009
Dona Isabel e minhas crises com o trabalho
"Talvez se nunca mais tentar. Viver o cara da TV. Que vive a vida sem suar. Que ganha aplausos sem querer"
(Cara estranho - Los Hermanos)
Todos os dias ela entra na minha sala, de maneira tímida, vestindo suas luvas amarelas e segurando um grande saco de lixo.
Dona Isabel é uma senhora negra, de sorriso fácil e não esconde o desgaste do tempo. Vestindo seu par de óculos azuis, ela bate na porta de vidro e discretamente entra depois de eu acenar:
- Com licença doutora?
Eu logo respondo de um modo espalhafatoso, colocando o telefone no gancho:
- Dona Isabel! Que alegria a Senhora por aqui! Entra, senta, toma um café! Me fale dos seus problemas, vamos ver as medidas judiciais cabíveis...
Ela dá uma gargalhada gostosa:
- Eh, Helga, você não tem jeito!
Rio do seu jeito envergonhado e logo pergunto:
- E aí, tudo bom com a senhora? Olha só: estou de parabéns não fiz muito lixo hoje! – (Levanto a minha lata. Dona Isabel já conhece os meus discursos quanto o desperdício de papel do mundo advocatício. Fico contente quando ela me dá bronca pelo fato da lata estar cheia de papel. Dona Isabel é sustentável).
Ela dá uma gargalhada de novo e sacoleja a cabeça. Despeja o pouco do conteúdo que consegui juntar arduamente. Dona Isabel não sabe, mas há dias que tenho vontade de jogar a advocacia inteira no lixo e pedir para ela levar. Dona Isabel não sabe, mas há dias em que tenho vontade de sair correndo do escritório.
- E ai? Como vão as coisas? E o pé? Melhorou? (Dona Isabel tem um problema crônico de inchaço no tornozelo direito que ela sempre me conta a respeito. E eu desconfio que ela gosta muito da atenção que lhe dou).
- Vixe, não melhora fia! Fui no médico e ele disse que é problema na junta e talvez precise operar.
- Junta tudo e não dá em nada... Eu acho que eu também tenho esse problema...
Dona Isabel ri de novo.
- Sabe, Helga, eu queria fazer um curso...Para ter mais chances na vida, porque isso aqui às vezes é ingrato demais.
Sinto um aperto imenso no peito nessa hora. Maior do que o aperto que sinto quando me pergunto se era ser advogada mesmo que eu queria dessa vida.
- Jura? E se a senhora tivesse chance, que curso faria?
- Ah! Eu ainda ando pensando muito sobre isso...
- Quer virar advogada?
Ela me olha espantada e exclama:
- Deus que me livre!
Caio na gargalhada e lhe digo:
- Mas porque?
- Ah! Primeiro porque advogado só gosta de problema e segundo porque eles só querem complicar as coisas.
Dou outra gargalhada. Definitivamente Dona Isabel é muito sábia.
- Ta certa Dona Isabel!
- Acho que eu faria um curso de dança. Para dançar samba rock. Mas esse meu pé nunca vai deixar...
- Que isso Dona Isabel! Vira essa boca para lá! Logo, logo a senhora vai ficar boa! Tenho certeza.
- Se deus quiser...
Dona Isabel vira-se e pede licença novamente. Enquanto ela fecha porta eu sinto uma tranqüilidade indescritível.
Dona Isabel não sabe, mas junto com o lixo leva metade das minhas crises embora.
Dona Isabel é uma senhora negra, de sorriso fácil e não esconde o desgaste do tempo. Vestindo seu par de óculos azuis, ela bate na porta de vidro e discretamente entra depois de eu acenar:
- Com licença doutora?
Eu logo respondo de um modo espalhafatoso, colocando o telefone no gancho:
- Dona Isabel! Que alegria a Senhora por aqui! Entra, senta, toma um café! Me fale dos seus problemas, vamos ver as medidas judiciais cabíveis...
Ela dá uma gargalhada gostosa:
- Eh, Helga, você não tem jeito!
Rio do seu jeito envergonhado e logo pergunto:
- E aí, tudo bom com a senhora? Olha só: estou de parabéns não fiz muito lixo hoje! – (Levanto a minha lata. Dona Isabel já conhece os meus discursos quanto o desperdício de papel do mundo advocatício. Fico contente quando ela me dá bronca pelo fato da lata estar cheia de papel. Dona Isabel é sustentável).
Ela dá uma gargalhada de novo e sacoleja a cabeça. Despeja o pouco do conteúdo que consegui juntar arduamente. Dona Isabel não sabe, mas há dias que tenho vontade de jogar a advocacia inteira no lixo e pedir para ela levar. Dona Isabel não sabe, mas há dias em que tenho vontade de sair correndo do escritório.
- E ai? Como vão as coisas? E o pé? Melhorou? (Dona Isabel tem um problema crônico de inchaço no tornozelo direito que ela sempre me conta a respeito. E eu desconfio que ela gosta muito da atenção que lhe dou).
- Vixe, não melhora fia! Fui no médico e ele disse que é problema na junta e talvez precise operar.
- Junta tudo e não dá em nada... Eu acho que eu também tenho esse problema...
Dona Isabel ri de novo.
- Sabe, Helga, eu queria fazer um curso...Para ter mais chances na vida, porque isso aqui às vezes é ingrato demais.
Sinto um aperto imenso no peito nessa hora. Maior do que o aperto que sinto quando me pergunto se era ser advogada mesmo que eu queria dessa vida.
- Jura? E se a senhora tivesse chance, que curso faria?
- Ah! Eu ainda ando pensando muito sobre isso...
- Quer virar advogada?
Ela me olha espantada e exclama:
- Deus que me livre!
Caio na gargalhada e lhe digo:
- Mas porque?
- Ah! Primeiro porque advogado só gosta de problema e segundo porque eles só querem complicar as coisas.
Dou outra gargalhada. Definitivamente Dona Isabel é muito sábia.
- Ta certa Dona Isabel!
- Acho que eu faria um curso de dança. Para dançar samba rock. Mas esse meu pé nunca vai deixar...
- Que isso Dona Isabel! Vira essa boca para lá! Logo, logo a senhora vai ficar boa! Tenho certeza.
- Se deus quiser...
Dona Isabel vira-se e pede licença novamente. Enquanto ela fecha porta eu sinto uma tranqüilidade indescritível.
Dona Isabel não sabe, mas junto com o lixo leva metade das minhas crises embora.
domingo, fevereiro 01, 2009
Azul
Queria mesmo era correr. Pra qualquer outro lugar. Mas na ausência da liberdade, resolveu ficar. E escrever tudo sobre novas cores.
Pelo que ainda pode ser azul.
Sempre.
Projetos em azul então.
Pelo que ainda pode ser azul.
Sempre.
Projetos em azul então.
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