Quando a encontrei, ela já estava com os olhos fundos e pequenos, mergulhados na melancolia do samba bem tocado e da cerveja bem gelada. Escrevia freneticamente num pedaço de guardanapo todas as suas angústias esperando do papel os ouvidos atenciosos, que nessa hora, estavam ocupados demais com aquele samba. Sentei por perto, silenciosamente, tentando compreender o que se passava. Com os movimentos vagarosamente alcoolizados, ela pousou o guardanapo todo rabiscado na minha frente e me pediu para que lesse. Li atentamente aquele aglomerado de palavras tentando compreender psicografia do medo do amor. Porque era mais fácil que o amor fosse espírito do que realidade. O que é etéreo não machuca, só assusta.
E aquela cena me lembrou muito um trecho de “O pequeno príncipe” em que, ao encontrar um bêbado ele faz a seguinte pergunta “Porque você bebe?”, e o bêbado responde “Bebo para esquecer”. Intrigado o principezinho retruca “esquecer o quê?” e o bêbado responde “esquecer a vergonha que eu tenho de beber”. E assim, exatamente dessa forma, ela me apresentava o amor: como se ele fosse para nunca ser vivido, afim de nós nos poupássemos da nossa autêntica fragilidade humana.
Ai ela me perguntou sobre aquilo que eu compreendia da subjetividade da sua psicografia maluca. E eu, com a sinceridade que somente o álcool permite, respondi que muito pouco. Mas na verdade eu compreendia muito, e, de certa forma pactuava a sua vontade de transformar o amor em algo tão distante da realidade, que a paixão, quando acabasse, fosse como se nunca tivesse existido.
E seria então tudo mágico, se não houvesse o nosso desespero humano de esperar a mensagem do celular, o convite para o aniversário que não veio, o sorriso que iluminava os segundos perdidos do nosso dia. Seria mágico se o medo não fizesse a gente martelar na nossa testa a palavra “amiga”, para conter aquela vontade incontida se ser amor.
E a minha amiga estava ali, incontida e frágil em cima de um papel rabiscado, tentando enfim traçar a receita mágica da paixão indolor.
Receita que eu também não sei. Mas se eu pudesse te dizer, diria que o único amor que dói é aquele que a agente não viveu. Porque aquele que a gente viveu mas não deu certo, o tempo cura.
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Um comentário:
Hummm...gostei muito desse texto. Posso estar errada, mas vi um pedacinho de mim, ali. Afinal, não conheço ninguém mais desesperada que eu para escrever em guardanapos as dores de amores mal-vividos.
Beijão,
Ta
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