quarta-feira, outubro 01, 2008

A triste história do fim

Nesse caso, aceite o destino e carregue-o com seu peso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com a recompensa que possa vir de fora”
(Rainer Maria Hilke)


Carros. Um milhão deles. E a paisagem de faróis inertes acolhia como ninguém a sua tristeza. Pela primeira vez não ligou o rádio para saber qual o melhor caminho. Não procurou novas rotas e não maldisse a sinfonia agonizante das buzinas. Pela primeira vez não desejou estar em outro lugar, senão ali, parada, no trânsito de São Paulo.
A sensação de inércia nunca lhe parecera tão confortável. Talvez fosse a ausência de pressa em revê-lo. Não havia mais nenhuma sombra de ansiedade. De certa forma, não queria aquele encontro, mas sabia, com todas as suas forças que ele era necessário. Para traduzir com poucas palavras o que talvez nunca ninguém diga, ou explique. O final.
Revisitou o fundo da alma buscando encontrar o medo de perdê-lo. Não mais habitava. Saberia que a felicidade de imaginá-lo para sempre lhe parecia mais como uma corrente do que um sonho, dos tantos sonhos que havia construído até então. Tudo ali, parado, desmoronava.
Uma lágrima, duas ou três. Não queria brigar com o trânsito ou com as lembranças. Que deixasse então doer, e que cada uma delas formasse uma linda frase para um epitáfio. Porque brigar com o inevitável? Deixassem as buzinas gritar. Ecoassem dentro de si.
Lembrou então das inúmeras brigas que presenciou ou seu lado no trânsito. Lembrou-se nitidamente da sensação de irritação que sentia. Precisava de raiva também para desconstruí-lo. Os carros parados eram a cena perfeita daquilo que não poderia esquecer. Raiva.
Viu-se então amortecida pela solidão refletida no seu retrovisor. Segurou firme a direção e decidiu então perder a direção e não controlar mais nada. Havia cansado de brigar com seu cansaço. Queria sucumbir a ultima gota de esperança. Não iria mais esperar. Iria permanecer ali por horas, se sentindo impotente.
Até não mais poder.
Segunda, terceira e quarta marcha. Aos poucos os carros começaram a escoar por vias diversas e ela não teve alternativa senão buscar o seu próprio caminho.
Chegando ao seu destino, tremeu. Quando apertou a campainha lhe ascendeu o último e inevitável suspiro. Esperou que ele abrisse a porta de banho recém tomado e, perfumado, lhe desse o abraço de sempre. Esperou que tirasse flores escondidas nas costas, para lhe dizer que era ela quem importava e que poderiam ao menos tentar. Mas a maçaneta girou e ela foi de encontro a sua velha e surrada calça de moletom. Na ausência da vontade e do cuidado, a saudade então abandonou. Sem tentativas. Sem tratativas.
Não era necessário desenhar um ponto final. No final das contas, ele estava ali posto. As palavras eram quase desnecessárias. As lágrimas cobriram os hiatos. A dor ardia diante do destino. E o amor jazia, no meio da sala, duro e cianótico. Atropelado, moído e surrado e cansado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Há sempre hiatos na tristeza. Hiatos em que brotam gentilezas.

Quando menos se espera....

Anônimo disse...

A tristeza é o caminho mais árduo para a felicidade, o problema é que a felicidade nos toma de tempos em tempos e por isso a tristeza sempre estará presente, por mais feliz que você seja, ela apenas hibernará por um espaço de tempo. Assim é a vida.