domingo, dezembro 26, 2010

A busca

(“Quem sou eu, sonhando assim e pensando assim. Que solidão dentro de mim. Eu sigo assim sonhando pra viver. Eu continuo a sonhar. Com os pés no chão, não tenho onde pisar” – Nem todas as cores. Miro Dottori )

Ontem, quando dei a última volta na chave para trancar a porta de casa, senti um arrepio estranho percorrer a espinha. Resisti por alguns minutos, achando que se tratava de alguma neurose instantânea. Tenho dessas de vez em quando, portanto simplesmente me ignorei e chamei o elevador. Mas o incômodo persistiu: era como se algo beliscasse a minha memória. Eu não sabia exatamente o que era. Então vasculhei os bolsos da bolsa e depois revistei os da calça. Mas aparentemente estava tudo no lugar: documentos, chaves, carteira, celular, agenda, filtro solar, remédios para dor de cabeça. Meu arsenal anti-tudo que carrego comigo diariamente.
A luz do elevador iluminou o hall e o rangido habitual da porta me convidou a entrar. Não tive coragem. Sabia que estava esquecendo algo. Algo que me parecia muito necessário.
Dei alguns passos para trás. Retrocedi. Eu estava atrasada. Mas e daí? Eu sempre estou não é mesmo? Voltei à porta e rapidamente entrei em casa. Voei direto à gaveta de calcinhas. Escondo de tudo ali. Me escondo até de mim mesma. Revirei. Procurei. E nada ...
Fui então ao canto do armário, onde fica amontoado o ferro e as roupas limpas. Olhei, pesquisei. Mas estava tudo no mesmo lugar. Minha bagunça organizada. Tateei a cama. Desarrumei ainda mais os lençóis. Joguei os travesseiros ao chão. Tudo ali. No mesmo lugar. Corri para a última gaveta da cozinha. A espátula. A toalha tão pouco usada. Uma caixa de fósforos. Tudo igual. A única novidade era essa sensação: de estar esquecendo alguma coisa. De ter perdido algo.
Fui à estante de livros. Com os dedos percorri os títulos, até que involuntariamente, parei. “Felicidade” era o título onde meu dedo restava imóvel. E sobre ele, eu já não tinha nenhuma vontade. Onde é que eu havia esquecido mesmo?
Procurei a felicidade então nas gavetas. As tantas outras por onde não havia estado. E depois nos armários. E até no pó, que eu não imaginava que era tanto, embaixo da cama. Procurei felicidade na euforia, esta que vem de qualquer coisa, de qualquer momento. E por um segundo, achei que ela estava ali, palpável, em algum riso. Procurei felicidade em lugares. Em empregos perfeitos. Em chefes perfeitos. Em homens perfeitos. Na família perfeita. Que eu nunca encontrei. E procurei felicidade em amores. Inclusive, aqueles que eu imaginei. Procurei felicidade na serotonina do meu chocolate. Nas minhas incontáveis doses de cafeína. Na endorfina conquistada depois de corridos os meus cinco quilômetros muito bem suados. Procurei felicidade nas rodas da minha bicicleta. No divã dos meus terapeutas. Nos gostos que o mundo pode ter. Nos cheiros. Procurei felicidade na saudade. No fundo da bolsa. No fundo do bolso. No fundo do túnel. No escuro.
Procurei felicidade em um corpo perfeito. Em cílios curvados e uma pele impecavelmente sem espinhas e sardas. Procurei felicidade além dos meus poucos seios. Além dos meus fartos quadris. Além do que eu tenho de feio e não resiste a nenhum parâmetro de beleza. Procurei felicidade no que evito.
Procurei felicidade em receitas, em dietas, em mandingas.
Procurei felicidade entre moedas. Na multiplicação das invariáveis da economia. Na poupança. No décimo terceiro. E em liquidações.
E procurei felicidade pelos cantos. Até mesmo aquele que você me deu, para eu ficar te esperando. Procurei felicidade nas fotografias. Nos amigos que se foram. No pôr do sol. Incansavelmente eu procurei felicidade nos teus olhos. Na tua música.
E procurei felicidade nas asas do avião que me levava distante para qualquer lugar. Procurei. Farejei. Mapeei. Desvendei. Eu procurei felicidade no prazer. No silêncio. No barulho. No tango. No samba. No jazz. Na rumba. No pop.
Eu procurei felicidade num orgasmo. Numa catarse. E numa epifania.
Eu procurei. E revirei. E procurei mais.
Eu procurei felicidade nas garantias. Na imobilidade. Nas certezas. Até as que eu construí, com fragilidade de verdades imperfeitas. E procurei felicidade sobre o que era imóvel, pouco dinâmico e instável.
Eu procurei felicidade no mapa. No Google. Na lista telefônica. E na coleção de Barsa.
Eu procurei felicidade na dor. E depois na farmácia. Eu procurei felicidade nas ruas, nas esquinas, nas bibliotecas. E procurei até em
alguns livros de direito.
Eu procurei felicidade na bagunça e também na organização. Mas eu não sou nada disso.
Eu procurei felicidade. Com todas as minhas forças.
E me cansei.
Deixei a casa bagunçada. Travei novamente a porta. A luz do elevador iluminou o hall. Como sempre o seu rangido habitual me convidou a entrar. Abri a porta. Entrei. Desci. Tirei o tênis. Depois a meia. E saí, caminhando descalça pelo mundo.
Quero a felicidade que se pisa com os pés.

domingo, dezembro 12, 2010

Meu heterônimo

"Há muito tempo que não escrevo. Tem passado meses sem que viva, e vou durando, entre o escritório e a fisiologia, numa estagnação íntima de pensar e de sentir. Isto, infelizmente, não repousa: no apodrecimento há fermentação.
Há muito tempo que não só escrevo, mas nem sequer existo. Creio que mal sonho. As ruas são ruas para mim. Faço o trabalho do escritório com consciência só para ele, mas não direi bem sem me distrair: por detrás estou, em vez de meditando, dormindo, porém estou sempre outro por detrás do trabalho.
Há muito tempo que não existo. Estou sossegadíssimo. Ninguém me destingue de quem sou. Senti-me agora respirar como se houvesse praticado uma coisa nova, ou atrasada. Começo a ter consciência de ter consciência. Talvez amanhã desperte para mim mesmo, reate o curso da minha existência própria. Não sei se, com isso, serei mais feliz ou menos. Não sei nada. Ergo a cabeça de passeante e vejo que, sobre a encosta do Castelo, o poente oposto arde em dezenas de janelas, num reverbéro alto de fogo frio. À roda desses olhos de chama dura toda a encosta é suave ao fim do dia. Posso ao menos sentir-me triste e ter a consicência de que, com a minha tristeza, se cruzou agora - visto com o ouvido - o som súbito de eléctrico que passa, a voz casual dos conversadores jovens, o sussurro esquecido da cidade viva.
Há muito tempo que não sou eu."

(Fernando Pessoa, O livro do desassossego, 139)

quarta-feira, setembro 22, 2010

Desperto

(“Várias vezes, no decurso da minha vida opressa por circunstâncias, me tem sucedido, quando quero libertar-me de qualquer grupo delas, ver-me subitamente cercado por outras da mesma ordem, como se houvesse definidamente uma inimizade contra mim na teia incerta das coisas.
Arranco do pescoço uma mão que me sufoca. Vejo que na mão, com que a essa arranquei, me veio preso um laço que me caiu no pescoço com o gesto de libertação. Afasto, com cuidado, o laço, e é com as próprias mãos que me quase estrangulo.” – O livro do desassossego/ Fernando Pessoa)


E se despertasse, louco, inquieto,
Como quem lhe tira o sono,
Como quem salga a boca com sede,
E, de repente, lhe tira a luz.
E se despertasse, errado, incerto,
Com a mesma violência do veneno que percorre as veias,
Como quem lhe rouba o pensamento,

E te entrega a eternidade dos minutos.
E se despertasse, feito dor, incômodo,
Uma formiga passeando sobre sua orelha e as mãos agora atadas.

Necessidade de gritar, com a boca fechada.
E se despertasse assim, intenso.

Como febre, soluço ou arrepio.
Haveria de me esquecer, feito guarda-chuva quebrado no canto do armário?



quarta-feira, agosto 18, 2010

João-Bobo

(Tenho o passo marcado/ O rumo traçado sem discussão/ Tenho um encontro marcado com a solidão/ Tenho um pressa danada/ Não moro do lado/Não chamo João/ Não gosto nem digo que não/ É inútil (...)
Vou correndo, vou-me embora/ Faço um bota-fora/ Pega um lenço agita e chora/ Cumpre o seu dever/ Bota força nessa coisas/ Que se a coisa pára/ A gente fica cara a cara/ cara acara cara a cara/ Com o que não quer ver – Chico Buarque “Cara a Cara”)


Ainda muito pequena, ela não entendia porque razão aquilo poderia ser chamado de brinquedo. Com um sorriso plástico, inflado, o João-Bobo se debatia de um lado para o outro, sem protestar. Por isso a menina nunca soube se no final das contas ele era feito para bater ou para apanhar. Fato é, que mesmo quando caía, o João-Bobo logo se levantava. Inútil. Indo e vindo de um lado para o outro, levantando e caindo sobre o mesmo eixo. Como se levitasse entre a persistência e a idiotice. Como se persistisse entre a teimosia e o cansaço.
Que graça tinha em ver o João-Bobo cair? Ela se perguntava. Que brincadeira mais estúpida podia ser aquela? Mas quando tinha cinco anos o João-Bobo furou, e a menina não chorou para sua mãe comprar outro, pois já era grande.
Sabia que é possível chorar ser deixar cair lágrimas? Não é fácil, mas é treino. Você desvia o olhar para um ponto fixo qualquer e se distraí. Se os olhos insistem em marejar, você apenas fecha as pálpebras lentamente, até anestesiar. Se a garganta fechar, você junta um pouco de saliva e engole rápido. Não é fácil, mas é treino.
Ela aprendeu a fazer isso, depois de um dia quando já mulher, ficou envergonhada pelas pessoas que a viam chorar no trem. Às vezes ela chorava, quando tudo por dentro indignava. Às vezes ela chorava, quando as perguntas não bastavam. Às vezes ela chorava a certeza de ser sempre torta, de ser sempre incorreta, de ser sempre inadequada. Inadequada era uma palavra que se adequava bem a ela. Mas era preciso cair e levantar, todos os dias no mesmo círculo. Com o mesmo sorriso plástico, inútil. Se debatendo de um lado para o outro.
Se ao menos pudesse, a menina engoliria toda a arrogância que lhe embrulhava. Se pudesse, a menina levantaria e faria tudo sem levantar. Se pudesse, se soubesse, ao menos o caminho. Os trilhos do trem reluziam, um ponto fixo, sem chorar.
Aos cinco anos. Aos cinco anos o João-Bobo furou e ela aprendeu a chorar sem lágrimas.
Quem disse que a gente não levanta? Quem disse que a gente sabe qual a diferença entre a idiotice e a persistência? Quem disse que os caminhos não estão sobre o mesmo eixo?
Que brincadeira mais estúpida pode ser esta que a gente insiste em viver?

sexta-feira, junho 18, 2010

"Saramargo"

Desde a primeira vez que abri um livro seu, li tudo com uma certa birra. Na minha cabeça eu permanecia segurando a caneta vermelha da tia Emília, minha professora da segunda série, que fez dos meus textos um borrão, por conta da falta de vírgulas.
E ler aquele homem, que escrevia sem pontos, travessões ou vírgulas, era um desafio à minha infância de dicionário Aurélio. Era uma ofensa ao meu português entalhado em vermelho. Lembrava-me das primeiras lições, logo que aprendi a ler, “a vírgula é o momento em que o texto respira”. Saramago sempre me tirou o fôlego.
E por me deixar assim sem respirar durante frases e frases, apelidei-o de “Saramargo”, especialmente após sua literatura tornar-se obrigatória para o vestibular.
Era estranho. Havia um exercício imenso em entrar naquele texto. Havia uma concentração enorme para atravessar aquelas palavras, entender suas frases, enfim, permanecer sobre as suas páginas.
Quando ganhou o prêmio Nobel, olhei o com mais desdém: como pode ser tão grande, se não sabe usar nem pontos, nem vírgulas?
Mas Saramago escreveu livros para se ler maduro. Quando você estiver pronto para entender que as melhores coisas a serem ditas não precisam de travessão.
Saramago escreveu livros para desconstruir a gramática. As histórias não precisam de pontos para terem voz. Ou para ficarem impressas na sua imaginação. Como se você pudesse, de uma página para outra, simplesmente parar de enxergar.
Aprendi a gostar de Saramago na persistência. Depois de algumas cem páginas, ele acaba te enfeitiçando. Você se prende ao seu ritmo. É simples perceber que os pontos são inúteis. A língua pode dizer, por muitas vezes, por si só.
E o que mais precisa ser dito? Quando abri os jornais pela manhã, havia uma frase, com ponto e com vírgulas. Saramago morreu.
Os livros sobrevivem.
Na estante, acho que guardarei todos. Quero dá-los aos meus filhos e netos. Para que eles saibam, o que ele me ensinou. Todo amor nasce de uma persistência. Árdua. Mas sem pontos. Ou vírgulas.

terça-feira, abril 06, 2010

Guia Prático Para Dar um Pé na Bunda

(“Devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu. Eu bato o portão sem fazer alarde. Eu levo a carteira de identidade. Na saideira, muita saudade. E a leve impressão de que já vou tarde.” - Chico Buarque – Trocando em miúdos.)

Não. Acima de tudo eu não acredito que existe manual para as coisas que sentimos. Graças a tudo o que há de bom nessa vida, há colorido além da racionalidade. E entre todos os mistérios que a racionalidade não equaciona, está a difícil tarefa de descobrir, quando afinal o amor acaba. Quando a paixão termina. Porque os sentimentos adormecem, como poças d’água que se formam de repente. E quando se viu, ficou tudo ali parado, estagnado, acabou sem se perceber. Amor acaba. Paixão termina. Que seja eterno enquanto dure.
Mas ainda sim, ainda que seja difícil saber o exato e peculiar momento em que tudo se limita à poças d’água, fico me perguntando se tem um jeito decente de expressar essa verdade tão íntima para o outro. Aquele que sobra. Aquele que fica tentando se achar no reflexo da poça. Como diria meu bom e velho pai, não há jeito bom de dar notícia ruim. Mas há jeitos “menos piores”. Há jeitos e jeitos.
E nesse mundo sem jeito, que eu não me canso de experimentar, ando percebendo que a maioria das pessoas não sabe como terminar um relacionamento. A liquidez das relações favorece, no entanto não poupa o curativo. E há jeito de não machucar? Acho que não... Mas há jeitos de se fazer com que a raiva conviva com o ressentimento, ao menos, por menos tempo. E de tudo, restem apenas às lembranças, não apenas a ironia.
Se não quiser terminar, ao menos tenha coragem de não começar. Porque no fundo, tudo mesmo se resume aquela lição besta que a Dona Maroca dizia nos áureos tempos de pré-escola “não faça com o outro o que você não gostaria que fizessem com você”.
Fiz esse manual queimando neurônios em uma madrugada. Bebendo vinho até São Paulo apagar. E escrevi ele, como uma espécie de prece: que menos gente babaca (especialmente do sexo masculino) resista nesse mundo. Terminem o que vocês fazem tanto esforço para comer, que dizer, começar...
Passo n.º 1: Termine. Diga que acabou. Há muito dizer em não dizer nada. Mas é fato que quando se gosta de alguém, a omissão, o talvez, soa com a equivalência de um sim. É necessário coragem, eu sei. Mas não é menos coragem do que você precisa para ficar pelado na frente de alguém e confessar qualquer espécie de tesão. Dizer que acabou é quase tão importante quanto dizer que começou.
Passo n.º 2: Não transe em menos de 48 horas em que você pensou em terminar com alguém. Cortes brutos ao desejo têm efeitos colaterais dolorosos. Evitar o sexo, acredite, ameniza o sentimento de rejeição, pois ele aparece com um disfarce antecipado.
Passo n.º 3: Não compre presentes, especialmente se o término anteceder datas comemorativas como natal, aniversário, páscoa entre outros. Acredite, terminar em datas comemorativas ou logo após elas, depois de se ter dado um presente, é algo que pode surtar alguém. Sem contar que o presente tende a virar um voodu de sensações desagradáveis.
Passo n.º 4: Evite apresentar para amigos ou família se você tem um leve indício de confusão dentro de você. Envolver terceiros é sempre pior.
Passo n.º 5: Vá com calma. Evite ser brusco. Evite ter uma noite de amor e terminar no dia seguinte. Terminar uma relação é uma náusea por si só, não é preciso mais movimento. É mais difícil, mas pode acreditar é mais saudável. Terminar relacionamentos longos costuma ser mais doloroso e ressentido. Terminar relacionamentos curtos costuma ser mais fácil e mais explosivo. Mas em todos os casos, é fundamental ir com calma. Preparar o terreno.
Passo n.º 6: Não faça com o outro o que você não gostaria que fizessem com você.
Passo n.º 7: Você é responsável pelo que cativas. (Será que Exupery terminou algo direito assim como fez com o Pequeno Príncipe?)
Terminar um relacionamento de um jeito, ao menos, honesto, pode não ser nada fácil. Na verdade não evita ressentimentos. Apenas não destrói o respeito. O resto, bem... O resto o tempo cura.
E aos que ficam. Segurando o pé, vendo doer a bunda, sem saber por onde começar. Bem, comecem pela janela: há muita vida lá fora!

domingo, março 28, 2010

Cansaço

(“A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma” – Marina Colassanti – Eu sei, mas não devia”)

Essa aí sou eu. Em dia com o meu atraso. Na companhia da minha solidão. Encobrindo os espaços do meu estômago com angústia. Tentando ver sobre o escuro.
Essa aí sou eu. Cedendo para me poupar. Escapando pela válvula de escape. Amortecendo. Amortizando. Rotineiramente aceitando os limites. Aceitando.
Essa aí sou eu. Engolindo tudo a seco, com um alargador na garganta. Vivendo a indigestão. Brincando com a ironia do mundo. Crucificando a minha própria vontade de ser vítima. Aprendendo a ouvir o meu silêncio.
Essa daí sou eu. Entorpecendo o questionamento. Indo com a maré. Levando com a barriga. Virando a ampulheta. Deixando passar.
Essa aí sou eu. Sentindo a impotência dos sonhos. O apego à cama. A preguiça. O estômago vazio sem fome. A dor sem tempero.
Essa daí sou eu. Sucumbindo. Em cinza. Cansada do cansaço. Com gosto do desgosto. Acostumada.
Essa daí sou eu, acompanhando os minutos da morosidade. Caminhando sem passos.Vendo o dia passar entre um café e outro. Dando peso à leveza. Dando leveza à tristeza.
Essa daí sou eu. Sentada sobre o mesmo círculo que já rodei.
Essa daí sou eu. Sem saber que eu sou.

domingo, janeiro 10, 2010

“Amores Expressos I – fragmentos sobre a esquizofrenia das relações modernas.”

(Tchau. Vai ver se eu estou lá na esquina, devo estar. Já deu minha hora e eu não posso ficar. A lua me chama. A lua me chama. A lua me chama e eu tenho que ir para rua. Lenine – “Hoje eu quero sair só”)

07.12.09. 23h15. “Estava em conflito e fiz prevalecer minha vontade! Ao contrário do que me disse, eu gosto de mensagens no dia seguinte, inclusive pq quero que tenha meu telefone e que saiba que estava um trapo, mas um trapo bem animado hj! Bjs e dorme bem!”

09.12.09. 22h46. “Comprei mais halls de uva... a lembrança que me traz o gosto ameniza minha espera pelo final de semana...quando pretendo te chamar para sair!”
09.12.09. 23h02. “Tá... só não demore muito a aceitar meu convite pq o halls tem açúcar e eu não gostaria de ficar gordo ou diabético.”

09.12.09. 23h10. “Se é só isso mesmo o que espera, me avise que eu como um saco de açúcar e nos vemos hj mesmo... rs...”

10.12.09. 10h17. “Ai, ai... Adoro ser paparicado logo pela manhã... RS... Bjs e um bom dia (com sol) pra vc.”

10.12.09 22h57. “Passei o dia pensando naquele beijo extra doce... Admito que meu dia não passou mais rápido depois dele, mas foi definitivamente mais feliz! Rs...”

11.12.09. 20h33. “Eu que tanto esperei por este bendito fim de semana, agora encontro-me esgotado e preso a esta cadeira infeliz no escritório.O pior é que nem tenho halls de uva para me animar...”

11.12.09. 20h37. “Humpf... Acho que a probabilidade de nos vermos hj é bem remota né?”

11.12.09. 20h39. “Acho que em mais ou menos uma hora..E vc?”

11.12.09. 22h41. “Não tive tanta sorte... Meus problemas se estenderam até há pouco e precisarei de um pouquinho mais do que meia hora. Qual seu endereço?”
13.12.09. 01h57. “Rs... Nunca achei que diria isso, mas minha cama está tão grande hj...”

13.12.09. 23h32. “Voltei mais tarde do que imaginava... Acho que está meio tarde para nos vermos, não? De qquer forma, foi muito bom. Como foi seu dia?”

14.12.09. 01h14. “Cafuné, cafuné, cafuné...rs... E bjs, bjs, bjs.”

14.12.09. 23h15. “ÉÉÉÉÉ...Oi..Hummmm. Tudo bem? Eu quero um cafuné hj...E um pé de cabra para descolar meus ombros de minhas orelhas...”

14.12.09.23h26. “O que vc ta fazendo aí? Vem pra cá e a gente divide um cafuné...”

15.12.09. 02h14. ”Apesar dela me maltratar um montão, eu devia ter ido para a casa dela...Pelo menos eu estaria dormindo abraçadinho agora... É um abraço tão quentinho...”

16.12.09. 00h29. “Não ia mandar msg hj para não me tornar um chato, mas deu uma vontade louca e não pude resistir. Serei breve... Smack!!!”

18.12.09. 03h04. “Promete que vamos nos ver amanhã? Fiquei a semana toda com vontade de dormir abraçado com você... Principalmente pq vc foi a melhor noite de sono que tive nos últimos 15 dias...Como em meu sonho, vc consegue tirar minha cabeça e pensamentos da rotina e transportá-los a um lugar melhor...”

20.12.09. 20h47. “Hummmm.. To meio apertado em meus horários... tem como ser umas nove para não corrermos riscos.”

22.12.09. 01h12. “Cheguei bem sim, obrigado. Não estou muito bem agora que só consegui passagem para as 3 da manhã. Vou trabalhar em frangalhos amanhã. E nem vou ter colo...”

31.12.2009. 22h49. “Com esta mensagem impessoal, porém sincera, quero desejar a todos juntamente com suas famílias e companhias uma belíssima passagem bem como um ótimo ano. Gostaria de escrever para cada um a importância que tiveram não só nesse ano, mas também em todos os futuros, mas, espero ter deixado esta impressão no decorrer de nossa convivência, curta ou longa, profissional ou pessoal. Obrigado a todos pelas ótimas experiências e que no próximo ano sejam ainda melhores. Abraços.”

SILÊNCIO.
CANSAÇO. MUITO CANSAÇO.

“Em todo amor há pelo menos dois seres, cada qual a grande incógnita na equação do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do destino – aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado, ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo numa amálgama irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no outro, o companheiro no amor. “A satisfação no amor individual não pode ser atingida... sem a humildade, a coragem, a fé e a disciplina verdadeiras”, afirma Erich Fromm – apenas para acrescentar adiante, com tristeza, que em “uma cultura na qual são raras essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara conquista”.”
(Zygmunt Bauman “Amor Líquido- sobre a fragilidade dos laços humanos”).

domingo, janeiro 03, 2010

Presente de Aniversário

(Ganhei da Silvia. E amei.)

Canção Excêntrica

Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em numeros me embaraço e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,

em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço
- do que faço, arrependida.


(Cecília Meirelles, in "Vaga Música", 1942)