terça-feira, abril 06, 2010

Guia Prático Para Dar um Pé na Bunda

(“Devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu. Eu bato o portão sem fazer alarde. Eu levo a carteira de identidade. Na saideira, muita saudade. E a leve impressão de que já vou tarde.” - Chico Buarque – Trocando em miúdos.)

Não. Acima de tudo eu não acredito que existe manual para as coisas que sentimos. Graças a tudo o que há de bom nessa vida, há colorido além da racionalidade. E entre todos os mistérios que a racionalidade não equaciona, está a difícil tarefa de descobrir, quando afinal o amor acaba. Quando a paixão termina. Porque os sentimentos adormecem, como poças d’água que se formam de repente. E quando se viu, ficou tudo ali parado, estagnado, acabou sem se perceber. Amor acaba. Paixão termina. Que seja eterno enquanto dure.
Mas ainda sim, ainda que seja difícil saber o exato e peculiar momento em que tudo se limita à poças d’água, fico me perguntando se tem um jeito decente de expressar essa verdade tão íntima para o outro. Aquele que sobra. Aquele que fica tentando se achar no reflexo da poça. Como diria meu bom e velho pai, não há jeito bom de dar notícia ruim. Mas há jeitos “menos piores”. Há jeitos e jeitos.
E nesse mundo sem jeito, que eu não me canso de experimentar, ando percebendo que a maioria das pessoas não sabe como terminar um relacionamento. A liquidez das relações favorece, no entanto não poupa o curativo. E há jeito de não machucar? Acho que não... Mas há jeitos de se fazer com que a raiva conviva com o ressentimento, ao menos, por menos tempo. E de tudo, restem apenas às lembranças, não apenas a ironia.
Se não quiser terminar, ao menos tenha coragem de não começar. Porque no fundo, tudo mesmo se resume aquela lição besta que a Dona Maroca dizia nos áureos tempos de pré-escola “não faça com o outro o que você não gostaria que fizessem com você”.
Fiz esse manual queimando neurônios em uma madrugada. Bebendo vinho até São Paulo apagar. E escrevi ele, como uma espécie de prece: que menos gente babaca (especialmente do sexo masculino) resista nesse mundo. Terminem o que vocês fazem tanto esforço para comer, que dizer, começar...
Passo n.º 1: Termine. Diga que acabou. Há muito dizer em não dizer nada. Mas é fato que quando se gosta de alguém, a omissão, o talvez, soa com a equivalência de um sim. É necessário coragem, eu sei. Mas não é menos coragem do que você precisa para ficar pelado na frente de alguém e confessar qualquer espécie de tesão. Dizer que acabou é quase tão importante quanto dizer que começou.
Passo n.º 2: Não transe em menos de 48 horas em que você pensou em terminar com alguém. Cortes brutos ao desejo têm efeitos colaterais dolorosos. Evitar o sexo, acredite, ameniza o sentimento de rejeição, pois ele aparece com um disfarce antecipado.
Passo n.º 3: Não compre presentes, especialmente se o término anteceder datas comemorativas como natal, aniversário, páscoa entre outros. Acredite, terminar em datas comemorativas ou logo após elas, depois de se ter dado um presente, é algo que pode surtar alguém. Sem contar que o presente tende a virar um voodu de sensações desagradáveis.
Passo n.º 4: Evite apresentar para amigos ou família se você tem um leve indício de confusão dentro de você. Envolver terceiros é sempre pior.
Passo n.º 5: Vá com calma. Evite ser brusco. Evite ter uma noite de amor e terminar no dia seguinte. Terminar uma relação é uma náusea por si só, não é preciso mais movimento. É mais difícil, mas pode acreditar é mais saudável. Terminar relacionamentos longos costuma ser mais doloroso e ressentido. Terminar relacionamentos curtos costuma ser mais fácil e mais explosivo. Mas em todos os casos, é fundamental ir com calma. Preparar o terreno.
Passo n.º 6: Não faça com o outro o que você não gostaria que fizessem com você.
Passo n.º 7: Você é responsável pelo que cativas. (Será que Exupery terminou algo direito assim como fez com o Pequeno Príncipe?)
Terminar um relacionamento de um jeito, ao menos, honesto, pode não ser nada fácil. Na verdade não evita ressentimentos. Apenas não destrói o respeito. O resto, bem... O resto o tempo cura.
E aos que ficam. Segurando o pé, vendo doer a bunda, sem saber por onde começar. Bem, comecem pela janela: há muita vida lá fora!