domingo, maio 03, 2009

A minha cidade

(“Alguma coisa acontece no meu coração/ Que só quando cruza a Ipiranga com a Avenida São João/ É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi/ Da dura poesia concreta de suas esquinas/ Da deselegância discreta de suas meninas” Sampa - Caetano Veloso)

São 18h30. A impressão que tenho é que tudo se resume a uma dança aflitiva. Todos colaboram para compor um espetáculo de histeria em comunhão. Seguem desafrochando as gravatas, correndo para se amontoarem nas imensas filas do metrô. Fecham-se as gavetas, batem-se os pontos. Todos têm pressa. Os carros berram impacientes. Buzinas estupradas em pleno entardecer. Todos têm ânsia de se libertar desse concreto chamado trabalho. Pés que caminham com virulência contaminam as ruas.
É véspera de feriado. Do dia do trabalho. E São Paulo é contradição. Os saltos são substituídos por tênis. Todos têm uma rota de fuga, frustrada no encontro marcado com o trânsito. Querem então fugir. Para o descanso em algum lugar que haja mar, que não seja de gente. Para algum lugar onde haja estrelas e o céu seja, pelo menos, mais baixo. Pelo menos, mais justo. Todos querem possibilidades de uma vida menos mecânica, menos sem graça, feito essa que desperdiçamos em copos de plástico preenchidos com café.
São Paulo, assim, se esvazia, quando tenho a certeza de que já me enchi.
São 18h30. A impressão que tenho é que tudo se resume a uma dança coletiva. Pessoas brotam de baixo da terra para lotar a Avenida São João. A cidade vira e é Virada, por malabares suspensos no céu que despejam graça e ganham aplausos. São Paulo então se enche de música, de gente, de poesia e de vida.
Ao enveredar-me por entre os prédios velhos e as pombas, tenho a sensação de que alguma espécie de revolução aconteceu. Enfim somos todos iguais. Pagando nossos pecados sobre as mesmas músicas. Somos mendigos, bêbados e putas desafiando uma nova paisagem colorida para um lugar cuja personalidade é cinza.
Nas ruas não existem carros, só gente. Multidões que celebram uma descontração nada habitual. Caminhamos entre o lixo. Porque somos lixo. Humano. Urbano. E da sucata que vira arte, nasce então a expressão. Faz sentido. Alguma coisa acontece no meu coração.
São Paulo então me enche e me preenche, quando tenho a certeza de que me deparo com o meu próprio vazio.
Definitivamente, essa é a minha cidade.