domingo, março 25, 2007

À deriva

Desocupada. Desempregada. Desesperada. Desatinada. Desafiada. Despenteada. E assim é que a minha vida ganha um prefixo “DES”. Talvez por obra do DEStino. Ou talvez por conta dos caminhos tortuosos que agora eu encontro e não sei me entregar.
Às vezes tenho medo de ser eternamente um Quixote, brigando com os mesmos moinhos de vento. Às vezes tenho medo de comprar a crueldade do mundo e vender a minha alma na esquina. Às vezes não sei o que fazer e choro.
Espero o tempo passar olhando um quadro de Dali. É um relógio que derrete e se chama Paciência. Paciência, a minha vida parece mais surreal do que isso. E o tempo agora não passa.
Eu ando vagando com os mesmos passos, me entupindo com outros projetos, na tentativa infame de me projetar também. Mas o que a vida me mostra, é que ela é obra sem rascunho. E que não importa a perfeição do esboço, a realidade sai sempre borrada. Não vale a pena viver dos sonhos. Porque meu sobrenome é projeto?
Corro desesperada, sem ter a certeza que saio do lugar. Mando meu currículo para o inferno. Mas nada acontece.
Nada acontece.
Desocupada. Desempregada.Desesperada.
Esqueço de mim e ando à deriva.

terça-feira, março 06, 2007

Concreto

Cheguei a essa cidade afoita quando já havia me esquecido dos diversos tons de cinza que descolorem o céu. Desacostumada, logo que escuto os teus primeiros sons, chego a achar bonita a sinfonia de buzinas que anuncia o transito caótico. São Paulo me lança o seu primeiro sorriso ríspido que por ora eu não sei se encoraja ou intimida.
Pego o primeiro ônibus lotado, onde o calor abafado provoca pesados suspiros. Estão todos ali com o saco na lua e eu sou mais uma retirante de mochilas provocando os olhares descontentes dos outros mal acomodados passageiros.
Desço no primeiro ponto e o sinal vermelho me deixa desfilar a vontade sobre a faixa de pedestres. Ao meu lado, seguindo pelo mesmo trajeto, tropeça uma moça.
Indignada, ela me retrata a cena que eu havia acabado de assistir: tão logo o sinal abriu, o motorista lançou-lhe o carro para que ela apressasse o passo. Enquanto ela bufa o descontentamento do seu final do dia, eu retribuo o sorriso ríspido que recebi e lhe digo “Bem vinda a São Paulo”.
Com um genuíno sotaque nordestino ela me responde “Bem vinda ao Brasil. Porque isso não é problema de cidade grande não. É falta de educação mesmo”. Acho graça na verdade cruamente retratada naquela esquina e diante de um sorriso, seguimos até o próximo ponto. No caminho ela me conta que vem de Maceió e há um tempo tenta se acostumar ao cotidiano caótico de uma cidade tão bruta. Digo-lhe que sofro dos mesmos anseios.
E assim que ela reconhece nas minhas palavras uma hospitalidade atípica daqui, ela segue seu caminho me desejando “boa sorte”.
Eu aguardo no ponto mais vinte minutos o ônibus que não vem. Ali tenho a leve certeza de que tanto gás carbônico agregado aos meus pulmões um dia fará do meu coração um pedaço de concreto. Ali tenho a triste certeza de que um dia meus sonhos seguirão amontoados no trem de metrô, ou talvez sejam vendidos em um camelô na vinte e cinco de março. Ali eu me lembro daquela música do Toquinho que eu gostava quando criança e dizia que “o futuro é uma astronave que tentamos pilotar”. E ali, enquanto os sonhos brincam de ser incertos em meio a tanto cinza, eu não tenho mais certeza de nada. E São Paulo sorri, em meio ao caos que me hipnotiza, lançando sobre mim a mesma prece que se lança para quem decide sonhar mais do que viver.

sexta-feira, março 02, 2007

Fevereiro

É assim que o dia amanhece: com o mesmo beijo de bom dia que estala no pescoço, antes mesmo dos olhos se abrirem. E a cama fica desarrumada sempre do mesmo jeito. Porque aquilo que também se chama nós, agora tem o mesmo jeito.
Jeito que transforma a rotina. Quando nosso cotidiano é, como são as pequenas pedras de um caleidoscópio. Com um simples girar, as mesmas cores ganham outras formas. E tudo fica nosso. Do mesmo jeito.
Às vezes eu quero fugir. Pois o amor já não comporta a instabilidade que tanto me instiga. Ainda busco a paixão nos detalhes. Mas agora os detalhes são apenas cores repetidas em formas diferentes. Assim como é fevereiro, quando as tempestades de verão já não trazem tantas novidades.
Tenho medo da rotina que aprisiona e incomoda. A felicidade para mim é a instabilidade de uma aventura. Aventura que eu aprendi a chamar de amor.
Mas aos poucos, presa aos telefonemas dos mesmos horários, presa ao silêncio das mãos atadas no cinema, presa aos restaurantes preferidos onde dividimos a mesma cerveja, a vida fica tão simples, que o meu prazer não é mais mergulhar. E sim dilapidar. Aos poucos. Sem compreender o que de fato é tão profundo.
Fico cúmplice de uma alegria que desconheço e me fascina. Porque é calma e óbvia. Assim como o céu preto que monta o cenário das chuvas. Que aplacam o calor. Ao final do dia.
Enquanto fevereiro se repete, entre os dias de calor e de chuva, deixo o amor se repetir também. Brincando com as mesmas cores. E dando vida às formas diferentes.