sábado, janeiro 06, 2007

O presente

Chacoalhei a cabeça como quem sente uma assombração passear pelos pensamentos. Tudo me remetia ao ano que acabava e a única certeza que ali me restava era: “Este ano: sem presentes”.
O peso de ter sido tão ridícula ainda me atormentava. E por mais que eu formulasse as melhores frases de auto-ajuda, tentando demonstrar para mim mesma que eu não havia sido tão idiota, nada me tirava o ranço daquela sensação. Como pude ser tão estúpida?
- Moço, preciso trocar este presente.
- Bom temos pequenos aviões de outros modelos, qual você vai querer?
- Na verdade estou querendo meu dinheiro de volta...
- Sinto muito, mas não podemos fazer isso...
- Por favor... (respondi com uma cara doce...)
- Não posso... (o vendedor respondeu com uma cara mais doce ainda...).
Foi aí que surgiu a primeira lágrima. E com ela, milhões de outras. Queria disfarçar, mas meu descontentamento com o mundo já era tão grande que eu não sentia mais vergonha de me mostrar tão pequena. Nada mais me fazia sorrir. E a única coisa que eu fazia desde então, era subir em uma esteira, com a Janis Joplin berrando nos meus tímpanos “A woman left lonely”, na tentativa de não deixar minha própria dor me engolir. Eu era mais uma, dessas que se sentem idiotas por ter ouvido os suspiros do coração. Eu era uma mulher deixada e só, tentando devolver o presente de natal que perdera seu destinatário.
- Olha, você não esta me entendendo. Este presente... Bom, este presente tinha um valor sentimental, mas a pessoa que ia ganhar não vai mais ganhar, entendeu?
O vendedor me olhou com uma cara de interrogação.
- Hum... Mas mesmo assim, moça, infelizmente não aceitamos devolução.
Pronto, as lágrimas se transformaram em uma enxurrada.
- Escuta... Você já levou um fora?
- Hein?
- Isso, moço, um fora. F-O-R-A. Pé na bunda...
- Já...
- Pois bem, este presente era para o cara que disse que me amava. E que eu amava também. Sei lá porque porra, uma semana depois do natal, ele apareceu para me dizer que “estava confuso e não queria nada sério agora”. E eu fiquei com esse presente sem saber o quê fazer. Se você não puder devolver meu dinheiro, tudo bem... Diz que eu doei esse avião para a loja. É melhor do que ficar com ele enfeitando o meu quarto como se fosse o troféu “estúpida do século”.
Virei as costas e segui. Alguns segundos depois o vendedor me chama:
- Ow moça... Espera aí! Falei com o gerente e faremos a devolução do seu dinheiro.
Ok. Perder um amor meia boca e resgatar duzentos paus não era tão mau negócio... Voltei até a loja e consegui arrebatar o meu precioso pedaço de salário devidamente guardado para a ocasião.
Mas os duzentos paus que voltaram para o banco ainda sim não pagaram o meu lamento. Chorar o seu pé na bunda para um vendedor de shopping era o episódio mais deprimente que eu já vivi.
Tempos idos, me recuperei e encontrei outro alguém, mas gato escaldado tem medo de água fria. Portanto, seguindo a voz da experiência, este ano me determinei “Sem presentes”.
Na noite do ano novo, ele me veio com um pacote todo bonitinho com um adesivo “Para Helga”. Um livro. Adoro livros... E adorei mais ainda o fato dele narrar o motivo que se embrulhava naquele pacotinho. “Achei que você iria gostar. Já que é a advogada mais escritora que eu conheço”. Me desmanchei em um sorriso bobo, mas ainda sim, amarelo, afinal eu não havia comprado nada!
Terça feira, de volta para São Paulo, percorri a cidade com o coração na mão. Sim, eu tinha a doce missão de lavar o passado e me desconstruir na emoção nova de encontrar um novo presente! Que bom sentir aquela leveza na alma!
Encontrei. E não pude deixar de explicar meu drama para a vendedora.
“Olha, esse presente é especial... Ano passado, estava saindo com um cara... blá, blá, blá...”. Ela riu e disse, após eu assinar o cheque “Boa sorte. Tomara que agora dê certo”.
- Bom, mas de toda forma vocês aceitam devolução, certo?
- Sim... respondeu ela... Mas espero que não precise. Me entreolhou com um piscadela.
Sai da loja. Acho que fui a pessoa mais realizada do mundo quando ele abriu o pacote e junto um sorriso sem jeito. “Poxa, adorei”.
Eu estava feliz. Feliz como nunca.
Passado não é presente. Não mesmo!
Feliz presente novo.